Kardecismo x Espiritismo x Cristianismo: O Poder das Definições (para o Bem e para o Mal)

Índice

  • BBB 12: A Polêmica interna e a Externa
  • Pensando “Naquilo”
  • Cristianismos pra que Te Quero
  • Cristianismo e Espiritismo
  • Kardecismo e Espiritismo
  • Quem detém a Definição, detém o Poder
  • Notas
  • Para Saber Mais

    BBB 12: A Polêmica interna e a Externa


    No começo de 2012, ocorreu um controverso incidente no Reality Show “Big Brother Brasil 12”, promovido pela Rede Globo de televisão. Após uma festa regada a bastante álcool, um dos participantes masculinos foi para a cama com uma colega de confinamento. Encobertos por um edredon, o casal começou a realizar o que de início pareciam ser carícias, que foram ficando mais e mais intensas até sugerirem que ocorria realmente um ato sexual debaixo daquelas cobertas. Só havia um porém: apenas o rapaz se mexia, enquanto a moça parecia inerte, como se grogue da bebida. A versão integral da cena ficou apenas disponível para os assinantes do pay per view, mas foi a faísca que bastava para explodir uma série de discussões na Internet e, em seguida, na imprensa sobre a possibilidade de um estupro ter sido ter sido transmitido ao vivo na “TV paga”, a ponto de as instalações do programa receberem a visita de oficiais de justiça para coleta de depoimentos e material para análise (o edredon entre eles). Constrangida pela repercussão, a emissora desclassificou o participante masculino, embora o apresentador do BBB 12 apenas informasse que ele “violou regras”, sem dizer quais eram. No momento em que este artigo é redigido, ainda não foram concluídas as investigações.

    Essa foi a polêmica interna do BBB 12. Do lado de fora, o bafafá coube aos que apontavam sérios indícios de estupro e a “turma do deixa disso”, afinal os dois já formavam “um casal” dentro programa, foi tudo farra, não houve violência, etc. De fato, caso se considere que estupro só acontece entre desconhecidos, em algum lugar ermo, sob a ameaça de uma arma e vitimando “boas moças”, então magicamente um bom percentual de estupros deixou de ocorrer no passado e não ocorrerá no futuro. Ter-se-á desconsiderado os casos que envolvem maridos (estupro marital), familiares, amigos, colegas de trabalho. Não será dado às prostitutas o direito recusar clientes e serão ignoradas outras formas de coerção, como chantagem ou o uso de drogas. Por sinal, a droga aqui em questão é o álcool e lei brasileira enquadra bem esse caso:

    LEI Nº 12.015, DE 7 DE AGOSTO DE 2009.
    Estupro de vulnerável

    Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

    Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

    § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

    Para a polícia, o problema todo reside, agora, em saber se a moça estava bêbada demais para entender o que estava acontecendo com ela e/ou oferecer resistência. Vale lembrar que o suspeito é inocente até que se prove o contrário e tem a seu favor o depoimento da moça. Aguardemos a conclusão das investigações.

    Nota: Em 20/03/2012, O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro encerrou o inquérito policial contra o modelo Daniel Echaniz, investigado pelo crime de estupro de vulnerável, durante a participação no “Big Brother Brasil 12”.
    O Tribunal entendeu que, de acordo com o depoimento de Monique, a suposta vítima do abuso, não houve crime e arquivou o inquérito. Com isso, foi suspensa também a proibição de o modelo sair do país, como já havia pedido à Justiça a advogada de Daniel.

    Adaptado de Justiça do Rio arquiva inquérito contra Daniel por suposto estupro no BBB12

    Você pode até achar que se aproveitar de uma pessoa desacordada não é algo tão grave assim quando comparado com uma versão “clássica” de estupro exposta acima, mas o juiz e o promotor não vão querer saber de sua opinião. Nem seus futuros companheiros de cela. Muito menos tente racionalizar declarando coisas como: “ela não deveria ter bebido”, “ela se insinuava”, etc.; porque a motivação do criminoso não interessa. Se acha a lei exagerada e vaga demais, então eleja políticos mais machistas que a mudem, pois, por ora, é com ela que os juristas irão se balizar (1).

    Deixo claro que este portal não é criminalista, apenas está usando um exemplo que talvez seja de conhecimento geral como apresentação para uma questão mais ampla a afetar todas as discussões filosóficas: o poder de uma definição. Poder-se-ia dizer que quem impõe sua definição aos demais já está a meio caminho de ganhar um debate. Por isso que o machismo atávico ainda presente na sociedade brasileira tende a restringir a definição de estupro, ao passo que as feministas preferem generalizá-lo, às vezes em níveis paranoicos(2).
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    Pensando “Naquilo”

    Paulsen: Adão e Eva

    Felizmente, juízes e advogados têm parâmetros (princípios, leis, jurisprudências, etc.) que reduzem a subjetividade de suas avaliações, mas isso é algo que não se dispõe na maioria das discussões mundo afora. Um tema relacionado com o mencionado acima é “SEXO”. Como defini-lo? Ninguém deve duvidar que a cópula entre homem e mulher é sexo, mas e se isso ocorrer por estupro? Para a vítima e, creio, para maioria dos leitores a resposta é “não”, mas o contrário se dá para o criminoso. Não tanto tempo atrás no ocidente, e ainda em alguns lugares do mundo, qualquer mulher deflorada não era (é) considerada virgem. Por mais violento e doloroso que fosse o ato, aos olhos alheios ela tinha seu valor para de matrimônio significativamente reduzido. E se a existência de carinho é fundamental para que haja sexo, como classificar os serviços prestados por uma prostituta? Simulação?

    Mesmo que nos restrinjamos apenas ao sexo “consensual” e “gratuito” (3), a nebulosidade persiste. Será que homossexuais masculinos não fazem sexo? Lésbicas o fazem apenas quando se valem de consolos? Estava o ex-presidente norte-americano Bill Clinton certo ao chamar sexo oral de “relação imprópria” por ocasião do escândalo que quase lhe custou o cargo? De fato, restringir o termo “sexo” apenas à relação pênis/vagina é limitar demais a sexualidade humana. Por outro lado, expandi-la também traz complicações, por exemplo, como enquadrar o beijo? Em nossa sociedade liberal, a maioria o consideraria, no máximo, uma preliminar. Por outro lado, é um ato que precisa de duas pessoas, possui estilos e uma “primeira vez” pode ser até mais agradável e saudosa que a dos “finalmentes”, além de também ser capaz de transmitir algumas DST’s. E quanto à masturbação? Ela, com a devida higiene, não transmite doenças e é solitária, mas atua diretamente mos genitais, sendo considerada pecaminosa para vários grupos cristãos. Se a estimulação genital ocorre entre duas pessoas, então fica difícil descartar isso como já dentro das fronteiras do sexo “propriamente dito”. Ou não?

    Assim, qualquer coleta de dados estatísticos a respeito da sexualidade humana corre o risco de distorcer a realidade, porque:

    • É comum se mentir a respeito da própria sexualidade, muitas vezes por se ter vergonha de confessar que pouco pratica quando todo o resto “aparenta” estar fazendo muito ou por pura presunção;
    • Afinal, o que deve ser contado como “relação sexual”? (4)

    Na realidade, não existe uma definição consistente para “sexo”. Em vez disso, há um amplo espectro de práticas sexuais cada qual avançando mais ou menos em alguma das dimensões que um relacionamento entre duas pessoas pode ter (afeição, intimidade, libido, prazer, reprodução, etc.). Pode-se cogitar que para há uma definição mais adequada para cada necessidade. Para um genecologista, a restritiva definição de sexo como cópula entre suas pacientes e seus parceiros lhe satisfaz na maioria das circunstâncias (relações lésbicas à parte). Um agente social empenhado em uma campanha de prevenção de prevenção a DST’s tem uma gama de situações maior para lidar. Um padre, então, tem de levar em conta até as confissões de “sexo virtual” em seu ofício.

    Se o leitor acha que este artigo está carnal demais, não se preocupe. Há um grupo de (supostos) abstêmios ou fiéis monógamos que também só “pensa naquilo” em razão de, entre outros motivos, sua filosofia de vida ser tão difusa quanto a definição de sexo: os devotos religiosos cristãos.
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    Cristianismos pra que Te Quero

    Não há razão para duvidar que a mensagem de Jesus tenha sido única. A questão é que seus ensinos foram todos orais, repassados, segundo a tradição cristã, em profundidade para um seleto grupo de discípulos, os doze apóstolos. Não é provável que cada um os tenha assimilado da mesma maneira, ninguém pensa igual. Talvez para evitar essa possibilidade, o livro de Atos passa a ideia de que todas as decisões entre os primeiros cristãos eram tomadas em conjunto e as desavenças que surgiam eram sanadas por assembleias, mas é duvidoso que sempre chegassem a um consenso. Uma questão particular foi o modo como os gentios poderiam ser aceitos entre eles: deveriam se tornar judeus antes de cristãos ou estariam dispensados disso? Atos (cap. XV) informa que ganhou o grupo de Paulo (que não conheceu Jesus pessoalmente, a não ser em uma visão), ao convencer os apóstolos originais de que gentios precisariam seguir apenas os mandamentos de Noé e não a Lei Mosaica. Nem tudo, porém, parece ter corrido tranquilamente depois dessa decisão. A própria literatura patrística dá indícios de ainda existirem cristãos judaizantes até o século III (5) e chegou até nós uma amostra da literatura desse grupo – As Epístolas Pseudo-Clementinas. Supostamente atribuídas a Clemente de Roma, elas narram suas jornadas ao lado de Pedro com um viés judaizante e antipaulino. Nem é preciso recorrer à literatura apócrifa, pois o próprio Novo Testamento, na Epístola aos Gálatas, temos Paulo a esbravejar contra certos “falsos irmãos que se intrometeram, e secretamente entraram a espiar a nossa liberdade, que temos em Cristo Jesus, para nos porem em servidão” (Gl 2:4), por ainda insistirem na prática da Lei.

    Paulo também demonstra grande ênfase na fé na ressurreição de Jesus como única forma de alguém se tornar justo perante Deus, uma opinião que não deve ter sido unânime para a primeira e segunda geração de cristãos. Do contrário, não teríamos discrepâncias como esta:

    E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano,

    E algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?

    Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma.

    Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras.
    Tg 2:15-18

    * * *

    Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus.

    Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus.

    Não vem das obras, para que ninguém se glorie;

    Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas.
    Ef 2:7-10

    Nesse caso, parece que algum discípulo de Paulo foi pregar em outra freguesia e se chocou com cristãos mais afinados com postura éticas dos sinópticos. A mensagem de Paulo é que era, ali, a intromissão. E ela não deixou de evoluir após a morte do “apóstolo de gentios”, ganhando uma versão radical no século II pela defesa de Marcião da eliminação de quaisquer resquícios de judaísmo e a adoção única do Pai amoroso de Jesus, em contraposição ao implacável Iahweh do Antigo Testamento.

    Ainda que a tendência das comunidades cristãs fundadas por judeus para judeus fosse manter a reverência à Lei, restou-nos um caso de uma comunidade que nasceu judia, foi rejeitada pelos judeus não cristãos e, por fim, pôs-se contra o judaísmo: a comunidade do Evangelho de João. Dessa comunidade surgiu uma dissidência que começou a negar uma real encarnação de Jesus (cf. epístolas joaninas): Jesus não somente era Deus, mas era completamente divino, apenas aparentando estar na carne(6). Essa cristologia, aliada à visão joanina de Jesus como um salvador enviado dos céus, possivelmente se harmonizou com algum misticismo gnóstico do mundo helênico, dando origem ao gnosticismo cristão.

    Evolução dos grupos cristãos.

    Desenvolvimento do cristianismo primitivo
    Adaptado de [Theissen, p.345].

    O cristianismo se tornou aquilo que os cristãos fizeram com ele. Cada comunidade fundada o adaptava conforme sua origem (gentio/judaica), sua vivência e ao inexorável avanço do tempo (e a demora da parúsia). Talvez se Jesus tivesse deixado algo de próprio punho, a dispersão fosse menor, mas nem assim isso seria certo, pois:

    • O texto de seus escritos poderia ser corrompido;
    • Se fossem herméticos demais, produziriam uma infinidade de interpretações;
    • Ainda que fossem redigidos numa linguagem simples e objetiva, dificilmente seriam exaustivos. A exemplo de nossos códigos de leis, não seria possível abordar todas as nuances da vivência humana. Seus continuadores teriam de usar o material existente para avaliar uma questão descoberta, ou seja, teriam de fazer julgamentos subjetivos, um passo dado para vários conflitos de opinião.

    Se fizéssemos um retrato do cristianismo no final do século II, teríamos um mosaico de seitas, variando nas dimensões de grau de judaísmo e no teor místico da mensagem e natureza de Jesus. Todas alegavam ser o verdadeiro entendimento de sua mensagem, estando as mais antigas a declarar suas dissidências como hereges ou endemoninhadas e essas a acusar sua antigas matrizes de terem um entendimento imperfeito. Todas produziram missionários sinceros a competir uns com os outros pelos corações dos fiéis. O final da história o leitor já conhece: ganhou o grupo que

    • Aceitava gentios como gentios, ganhando um potencial número de prosélitos muito maior;
    • Não rejeitava herança judaica, ganhando aos olhos de muitos uma respeitabilidade por ser “doutrina antiga” e “profecia concretizada”;
    • Manteve uma mensagem simples o bastante para as massas;
    • Ainda permitia voos filosóficos para uma elite intelectualizada.

    Outros fatores podem ser levados em conta – como uma organização melhor e hierarquizada -, mas o que aqui tem mais relevância foi a vitória do grupo mais eclético, que seria depois conhecido com protocatolicismo ou proto-ortodoxia. Isso se percebe graças à vantagem de termos uma visão em retrospectiva dos fatos. Para os cristãos dos séculos II, porém, a disputa estava longe de um desfecho previsível.

    Mesmo com a vitória da ortodoxia, ela não parou de evoluir. Muitas questões doutrinárias ainda estavam pendentes após a legalização do cristianismo pelo imperador romano Constantino (312 d.C.), a principal delas, sem dúvida, era relação de Jesus com o Pai. Desde a finalização do Evangelho de João, Jesus exibia atributos divinos, embora estivesse em aberto era de que jeito ele seria divino. Após várias idas e vindas – que fogem do escopo deste artigo – venceram (os debates) os partidários da atual fórmula Trinitária, que ganhou os contornos quase finais no Concílio de Calcedônia (451 d.C.), apesar de na metade oriental do Império ainda fossem fortes os que defendiam uma total dissolução da parte humana de Jesus dentro da divina (monofisistas) e na Pérsia se difundissem os que pregavam uma separação radical entre as duas naturezas (nestorianos). No ocidente, os governantes dos reinos bárbaros que se formaram após a queda do Império Romano do Ocidente ou eram pagãos ou adotaram o cristianismo ariano (Jesus inferior ao Pai e criado por Ele). De certa forma, a vitória de Calcedônia era mais formal, do que algo realmente concreto.

    A maré mudou com a inesperada e retumbante ascensão do Islã, que tomou de roldão a Pérsia, a Síria, a Palestina, o Egito, o Magreb , a Espanha e deixou Constantinopla na defensiva. No ocidente, ocorreu a inesperada conversão dos Francos ao catolicismo e posterior hegemonia de seu reino em aliança quase simbiótica com o papado. Roma agora podia falar em pé de igualdade com Constantinopla e, como não tinham mais como agir sobre os territórios agora em poder islâmico, começaram uma disputa pela primazia política alimentada por minúcias doutrinárias, que culminou com o “Grande Cisma do Oriente” (1.054). A Igreja oriental se espalhou dos gregos para a maior parte dos povos eslavos e, com a queda de Constantinopla para os turcos otomanos (1.453), as dioceses locais começaram a assumir autonomia. O ocidente se recuperou de um cisma temporário (1378 a 1417) e lançou cruzadas contra hereges locais (cátaros), mas acabou sofrendo grande abalo com a Reforma Protestante, iniciada em 1.527 e duradoura até hoje. Ao contrário dos cismas anteriores, não há nenhuma liderança geral ou líderes locais definidos para os cristãos protestantes, o que leva à contínua ramificação de grupo, tornando praticamente impossível uma reunificação total com o cristianismo católico.

    Alguém poderia pensar que o atual estado das igrejas cristãs é tão fragmentário quanto no século II, mas isso seria enganoso. Se pudéssemos transportar um proto-ortodoxo daquela época para o presente, ele provavelmente acharia a maior parte da doutrina das atuais igrejas compatível com o que ele estava acostumado, ainda que os ritos fossem um tanto diferentes. A contrário da dissonância do século II, o bojo do cristianismo atual é constituído, basicamente, por variações de um mesmo tema: a ortodoxia cristã do Concílio de Niceia (325 d.C.). Então qual o espaço para um cristianismo destoante da ortodoxia no mundo moderno?
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    Cristianismo e Espiritismo

    Acredito que sejam basicamente três as hipóteses que levantam a sobre a relação entre o espiritismo e o cristianismo:

    1. O espiritismo é uma religião cristã e não só isso, ela é a verdadeira manifestação do cristianismo antigo redivivo, centrado no amor e na caridade, adepto da reencarnação e praticante da mediunidade, portanto livre das corrupções acumuladas por quase dois milênios;
    2. O espiritismo possui alguns elementos que estavam presentes no cristianismo primitivo, carece de uma parte e é inovador em outros. No seu trato com a Escritura, ele dá novo significado a textos que originalmente tinham outros propósito, ou seja, uma forma de interpretação conhecida como “pesher”, que já foi usada por judeus, em seus comentários rabínicos, e por cristãos, ao justificar o Novo Testamento reinterpretando o Antigo;
    3. O espiritismo não é cristianismo, porque não aceita Jesus como salvador, não crê na ressurreição da carne, não tem sucessão apostólica, não aceita a Santíssima Trindade, prega a reencarnação, etc.

    Faço a aposta de que espíritas nais tacanhos vão assumir a primeira alternativa e os cristãos “tradicionais” (i.e., católicos e protestantes) mais tacanhos ficarão com a última. A minha preferida é, tacanhamente, a segunda, e não descarto que alguém possua outras alternativas a essas três.

    Infelizmente, essa atitude dá margem para que ambos me acusem de “ficar em cima do muro” por não querer me indispor com nenhum deles. Na verdade, quero me indispor com os dois e com qualquer outro grupo ou pessoa que considere ser obrigatório responder a todas as perguntas com um simples “sim” ou “não”. E o caráter cristão (ou não) do espiritismo cai nessa zona de perguntas complexas, onde nada é “preto no branco” e isso por um simples motivo: não há uma definição clara e única do que seja cristianismo. Não há nem mesmo consenso entre os historiadores sobre quem foi o “Jesus Histórico”. Há os que o apontam como um profeta apocalíptico (a minha tese preferida), como tantos de sua época; outros o veem como o adepto de uma espécie de contra-cultura, um hippie fora de época similar a outros “filósofos cínicos” do passado clássico; uns pensam que ele era um reformador social, ao estilo da “Teologia da Libertação” moderna; um feminista da Antiguidade, e há os que, até mesmo, o reduzem a um mago-curandeiro, como tantos outros de sua época. Todas essas opiniões, porém, têm um ponto em comum: ele era judeu e como um judeu intertestamentário deve ser estudado. Se, pelo que os indícios sugerem, não houve consenso com relação às teses de Paulo de Tarso, então, se você quiser realmente posar de continuador do cristianismo primevo, submeta-se à circuncisão (se for homem), ingira apenas comida kosher e guarde o sábado como dia santo. Aliás, existem seitas judaico-cristãs modernas que se propõem a reviver o credo dos apóstolos originais. Todas, contudo, possuem um problema em comum: o mundo em que Jesus viveu não existe mais. Para ser preciso, não existe desde de a destruição do Segundo Templo. De certa forma, elas lembram os dinossauros da série Jurassik Park, como seres extintos que foram ressuscitados, embora não fosse possível devolver-lhes ao habitat original. Extrapolando essa comparação, as seitas ortodoxas de hoje estariam para os cristãos primitivos assim como os pássaros estão para os dinossauros: são descendentes diretos de um grupo específico deles, mas se diferenciaram consideravelmente de seus ancestrais e são apenas o desdobramento de uma entre diversas possibilidades evolutivas antes da queda o meteoro no fim do Cretáceo (ou Niceia). E não poderia ser diferente, pois só se adaptando puderam angariar prosélitos e resistir à passagem do tempo, do contrário o cristianismo seria, no máximo, apenas mais uma seita judaica quase engolida pelo rabinismo.

    O espiritismo, por sua vez, não pode alegar uma descendência direta. Como religião, ele cai na classe dos credos revelados, em que material totalmente novo (vindo por revelação “superior”) é adaptado e justaposto a algum substrato prévio. As três religiões abraâmicas – judaísmo, cristianismo e islã – também o são, mas seria razoável considerar o cristianismo uma facção do judaísmo e o islã uma facção de ambos? Em sua origem, o cristianismo foi, sim, uma seita judaica, mas deixou de sê-lo em razão de dois processos que ocorreram a partir do final do século I:

    • A rejeição da sinagoga: processo ocorrido notadamente com a comunidade joanina. Essa comunidade rejeitada passou a adotar, em resposta, uma postura francamente antissemita (cf. Jo 8:31-59);
    • O surgimento do cristianismo gentio: capitaneada pela pregação paulina, a expansão do cristianismo ocorreu majoritariamente sobre um substrato sem memória do judaísmo.

    Certo que judeus-cristãos continuaram a existir por algum tempo, mas não foram bem sucedidos em angariar prosélitos.

    O islã se considera continuador dessas duas religiões monoteístas, guardando em seus ensinamentos especial respeito pelos “Povos do Livro” (judeus e cristãos). Maomé teve contato como ambas durante sua vida, que lhe legaram princípios de conduta moral e aspectos ritualísticos (circuncisão, restrições dietéticas, etc.), mas nenhum de seus livros passou diretamente ao islã, a mensagem final de Deus veio diretamente da recitação (Corão) feita por Maomé. Assim os primeiros islâmicos já o foram exclusivamente desde de sua conversão, que se processou em cima de um povo originalmente politeísta. O islã, sem dúvida, já nasceu bem independente de suas antecessoras.

    O surgimento do espiritismo aparenta ser uma versão incompleta desses dois processos. Tal como o cristianismo nasceu como uma variedade de judaísmo, o espiritismo se originou na França católica do século XIX sem originalmente ambicionar ser uma dissidência. Aliás, as pesquisas espíritas poderiam até mesmo ser feitas em outras culturas:

    Em sua origem, o Cristianismo teve de lutar contra uma potência perigosa: o paganismo, então universalmente disseminado. Entre eles não havia nenhuma aliança possível, como não há entre a luz e as trevas; numa palavra, não poderia propagar-se senão destruindo o que havia. Assim, a luta foi longa e terrível, de que as perseguições são a prova. O Espiritismo, ao contrário, nada vem destruir, porque assenta suas bases no próprio Cristianismo; sobre o Evangelho, do qual não é mais que a aplicação. Concebeis a vantagem, não de sua superioridade, mas de sua posição. Não é, pois, como o pretendem alguns, quase sempre porque não o conhecem, uma religião nova, uma seita que se forma à custa das mais antigas; é uma doutrina puramente moral, que absolutamente não se ocupa dos dogmas e deixa a cada um inteira liberdade de suas crenças, pois não impõe nenhuma. E a prova disto é que tem aderentes em todas, entre os mais fervorosos católicos, como entre os protestantes, os judeus e os muçulmanos. O Espiritismo repousa sobre a possibilidade de comunicação com o mundo invisível, isto é, com as almas. Ora, como os judeus, os protestantes e os muçulmanos têm almas como nós, o que significa que podem comunicar-se tanto com eles quanto conosco, e que,
    conseguintemente, eles podem ser espíritas como nós.

    Revista Espírita, outubro de 1861, “Discurso do Sr. Allan Kardec”

    Mas nem tudo era tão promissor assim. Nessa mesma edição da revista, Kardec relata os primeiros sinais de séria reação católica às teses espíritas:

    Até este momento o Espiritismo não havia sido atacado seriamente. Quando certos escritores da imprensa periódica, em seus momentos de lazer, se dignaram ocupar-se dele, foi apenas para o ridicularizar. Trata-se de encher um rodapé, de fornecer um artigo a tanto por linha, não importa sobre que assunto, desde que a contagem dê certo. De que matéria tratar? Tratarei de tal coisa? pergunta a si mesmo o redator encarregado da parte recreativa do jornal. Não; é muito séria. E daquela outra? É assunto por demais repetido. Inventarei uma autêntica aventura da alta sociedade, ou da gente do povo? Nada me vem à mente neste quarto de hora e a crônica escandalosa da semana ainda está por fazer. Ah!tive uma ideia!Achei o meu assunto!Vi em algum lugar o título de um livro que fala de Espíritos; e há em toda parte gente bastante tola para levar isto a sério.

    (…)

    Mas eis que surge um novo campeão, que pretende esmagar o Espiritismo por outro meio: trata-se do Sr. Georges Gandy, redator da Bibliographie Catholique, atirando-se num corpo-a-corpo em nome da religião ameaçada. E vejam só!a religião ameaçada por aquilo a que chamais de utopia!Tendes, pois, bem pouca fé em sua força; acreditais, assim, na sua vulnerabilidade, desde que temeis que as ideias de alguns sonhadores possam abalar os seus fundamentos; assim, considerais esse inimigo deveras temível, para o atacar com tanta raiva e furor. Obtereis resultado melhor que os outros? Duvidamo-lo, já que a cólera é má conselheira. Se conseguirdes amedrontar algumas almas timoratas, não receais acender a curiosidade num maior número de outras? Julgai-o pelo fato seguinte. Numa cidade que conta com certo número de espíritas e com alguns grupos íntimos que se ocupam das manifestações, um pregador fez certo dia um sermão virulento contra o que chamava a obra do demônio, pretendendo que só este vinha falar nessas reuniões satânicas, cujos membros estavam todos notoriamente votados à danação eterna. Que aconteceu? Desde o dia seguinte bom número de ouvintes se pôs em busca das reuniões espíritas, pedindo para ouvir os diabos falarem, curiosos de saber o que lhes diriam; porque tanto se tem falado que a gente se familiarizou com um nome que já não incute medo. Ora, nessas reuniões eles viram pessoas sérias, honradas, instruídas, orando a Deus, coisa que não faziam desde a primeira comunhão; pessoas que acreditavam em sua alma, em sua imortalidade, nas penas e recompensas futuras, trabalhando para se tornarem melhores, esforçando-se por praticar a moral do Cristo, não falando mal de ninguém, nem mesmo dos que lhes lançavam anátemas. Então aquelas criaturas compreenderam que se o diabo ensinava tais coisas é que se havia convertido.

    Revista Espírita, outubro de 1861, “A ‘Bibliografia Católica’ Contra o Espiritismo”

    No dia nove daquele mês de outubro, realizava-se o Auto de Fe de Barcelona, em que foram queimados, a mando do bispo local, livros espíritas recém importados da França. Kardec tratou do incidente de intolerância na edição do mês seguinte da RE, e após um sumário dos fatos, publicou uma seleta de mensagens mediúnicas, uma delas a portar as palavras:

    Fazia-se mister alguma coisa que chocasse com violência certos Espíritos encarnados, para que se decidissem a ocupar-se com essa grande doutrina, que há de regenerar o mundo. Nada, para isto, se faz inutilmente na Terra e nós que inspiramos o auto de fé em Barcelona, bem sabíamos que, procedendo assim, forçávamos um grande passo para a frente. Esse fato brutal, inaudito nos temos atuais, se consumou tendo por fim chamar a atenção dos jornalistas que se mantinham indiferentes diante da agitação profunda que abalava as cidades e os centros espíritas. Eles deixavam que falassem e fizessem o que bem entendessem; mas, obstinavam-se em passar por surdos e respondiam com o mutismo ao desejo de propaganda dos adeptos do Espiritismo. De bom ou mau grado, hoje falam dele; uns comprovando o histórico do fato de Barcelona; outros, desmentindo-o, ensejaram uma polêmica que dará volta ao mundo, de grande proveito para o Espiritismo. Essa a razão por que a retaguarda da Inquisição fez hoje o seu último auto de fé. É assim que o quisemos.

    Óbvio que a Igreja Católica não haveria de querer um novo rival lhe subtraindo rebanho, mas isso é um aspecto meramente político da questão. Quando se trata de indivíduos, será não haveria desavença teológicas que levassem indivíduos como Georges Gandy ou os modernos evangélicos brasileiros a bradar contra o “demônio” do Espiritismo? Por que a réplica de Kardec de indagar como o diabo poderia fazer boas obras não os convenceu até hoje? De fato, a ética contida nos evangelhos – a qual o Espiritismo declaradamente adotou – é um aspecto cristão, mas o cristianismo “ortodoxo” não é só isso. O verdadeiro perfil do espiritismo está contido nas próprias referências feitas no Evangelho segundo o Espiritismo aos livros da Bíblia:

    Mateus Marcos Lucas João Atos/Cartas Antigo Testamento
    83 21 33 10 6 7

    Número de referências aos livros da Bíblia em O Evangelho segundo o Espiritismo. Fonte: ESE, FEB, 120ª ed., 2002,. pp 13-6. Foram inclusas apenas as citações que realmente estão no ESE, desconsiderando-se as catalogadas como “relacionadas”.

    O Espiritismo, de certa forma, assemelha-se mais a uma adaptação do cristianismo sinóptico, expurgado de sua escatologia (p. ex., Mc 14:62 e Lc 22:69 estão ausentes). Não há nele a fé no Cristo ressuscitado de Paulo, nem a adoração ao Verbo encarnado (e coeterno com Deus) de João, mas a moral de Jesus. Ainda que haja no Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE) interpretações ao estilo pesher de João e apologistas espíritas citem Paulo, suas palavras ganham um sentido que não seria aceito por seus primeiros leitores.

    O Espiritismo foi rejeitado pela ortodoxia moderna, mas, como nasceu dentro de uma religião dominante, não pôde renegar sua origem e espalhar sua mensagem em outro grupo, como ocorreu no cristianismo primitivo. Nem tinha ele um cânon totalmente novo como o Corão, pois ainda era (é) muito dependente dos evangelhos. A solução que acabou materializando por essas circunstâncias foi reavaliar o significado do que é ser cristão e passar-se a considerar a verdadeira expressão da fé de Jesus. Um passo significativo nessa direção foi a publicação de Cristianismo e Espiritismo, por Léon Denis, que procura demonstrar que o cristianismo primitivo já adotava muitas práticas e crenças que teriam sido retomadas pelo Espiritismo, como a reencarnação e a mediunidade, além não ter “adulterações” como a doutrina da Trindade, os sacramentos a hierarquia sacerdotal. Esse processo continuou pelo século XX até chegar às teorias conspiratórias sobre o II Concílio de Constantinopla (553 d.c.) e sua suposta proibição da reencarnação por decreto do imperador romano da ocasião, a mando de sua esposa, a prostituta Teodora.

    Com o conhecimento histórico que possuímos hoje, será possível afirmar que essas alegações têm algum fundamento? A resposta é um sonoro NÃO:

    • Reencarnação: Ainda que haja controvérsias quanto à mensagem do Jesus Histórico, não muito há muita dúvida quanto ao fato de João Batista, Paulo de Tarso, a comunidade de Marcos e, em menor grau, as de Mateus e Lucas foram apocalipcistas. Para eles o mundo tal como conheciam estava prestes a acabar de forma cataclísmica, quando o Mal seria punido e seria instaurado o Reino de Deus pelo Filho do Homem. Se a pregação da “boa nova” era impulsionada por essa expectativa de reviravolta iminente, pouco sentido faz o ensino de um demorado processo de depuração ao longo de sucessivas vidas terrenas. Léon Denis (e outros) alega(m) que ele se escondia na…
    • Doutrina Secreta: Caso se defenda a existência de uma doutrina para as “massas” e, sem uma prova documental, de outra para um grupo seleto de iniciados capaz de entendê-la, então essa última pode ser qualquer coisa que a imaginação conceba. Alguns dos argumentos elaborados para que essa deixar essa “doutrina secreta” ao gosto espírita foram um entendimento errôneo da descrição de Flávio Josefo sobre a crença dos fariseus e empréstimos da cabala judaica, pouco importando se o desenvolvimento dela se deu ao longo da Idade Média. Vale lembrar que hoje temos documentação direta e indireta de crenças do gnosticismo cristão e algumas de suas seitas realmente acreditavam na reencarnação. O “porém” é que para elas a reencarnação não era algo bom, mas a manutenção do cárcere das almas no malévolo mundo material criado por um demiurgo inferior. E aí, compram essa ideia?
    • Mediunidade: O problema em enxergar as manifestações do “Espírito Santo” e outros episódios sobrenaturais/miraculosos como fenômenos mediúnicos é que isso é uma anacronismo: está se usando de forma equivocada conceitos de uma época para analisar os de outra. Certa vez vi em uma rede social uma comunidade chamada “Jesus Cristo era um X-Men”. Alguns leitores acharão isso uma blasfêmia e outros uma gozação de desocupados, mas para mim é um instrutivo (embora irônico) exemplo proposital de anacronismo. Considerar mutações genéticas como a fonte de poder de Jesus ou seus apóstolos explicaria tanto quanto alegar que eram médiuns. Que diferença faz, se nenhum deles está mais aqui para poder ser estudado em laboratório? Aliás, não há nem como saber se prodígios relatados na Bíblia ocorreram da forma como foram repassados, ou mesmo se foram verídicos. Eles estão à margem do método científico e os fiéis não precisam da frieza da razão para acreditar neles, mas da subjetividade intensa de uma emoção que chamam de “inspiração divina”. O que realmente importa para um historiador é como os antigos cristãos enxergavam essas manifestações, ainda que lhes fossem relatos de segunda mão. Eis um exemplo:

      Mas há tempo estamos argumentando somente com palavras. Agora trataremos de apresentar provas dos fatos, pelas quais mostraremos que sob diferentes nomes tendes uma mesma e real identidade. Leve-se uma pessoa que está inquestionavelmente sob possessão demoníaca, ante vossos tribunais. O espírito mau ordenado a falar por um seguidor de Cristo prontamente fará a confissão verdadeira de que ele é um demônio, assim como, de outro modo, ele falsamente afirmará que é uma divindade. Ou, se quereis assim, que a pessoa seja possuída por uma divindade, como supondes que seja, a qual aspirando junto ao altar recebeu a divindade pelos vapores, quando estava em ânsias de vômito, em espasmos de respiração.

      Tertuliano, Apologia, cap. XXIII

      Por incrível que pareça, é provável que os antigos cristãos se sentissem mais à vontade em um culto pentecostal moderno do que em um centro espírita.

    * * *

    Apesar de ter denunciado apropriações indébitas feitas pelo movimento espírita e, principalmente, suas distorças da História, não considero erro algum classificar sua faceta religiosa como cristã, contanto que se defina, claro, de que cristianismo estamos falando. O espiritismo, como já mencionado, reedita aspectos o cristianismo sinóptico seja em sua prática social, ética a defesa do universalismo de mensagem de Jesus e de sua humanidade. Óbvio que há diferenças profundas com cada um dos evangelhos sinópticos no diz que respeito ao entendimento sobre o papel do Messias, o valor da Lei Mosaica, a Natividade e a ressurreição; mas justiça seja feita: os próprios sinópticos não concordam entre si nas ênfases que dão para os temas da fé. E há autores espíritas bem cientes de que é problemático justificar o espiritismo com a Bíblia.

    Nem a Bíblia prova para nós coisa nenhuma, nem temos a Bíblia como probante. O Espiritismo não é um ramo do Cristianismo como as demais seitas cristãs. Não assenta os seus princípios nas Escrituras. Não rodopia junto à Bíblia. A discussão, no terreno em que se acha, seria ótima com católicos, visto como católicos e protestantes baseiam suas crenças nas Escrituras. Mas a nossa base é o ensino dos espíritos, daí o nome – espiritismo.

    Imbassahy, Carlos; À Margem do Espiritismo, FEB, 4ª Edição, 2002, “Tréplica”, p. 214

    Para ele, o espiritismo é um cristianismo distinto dos demais por não se basear na Bíblia, coisa que seria até mais clara caso estivesse polemizando no século II, quando o cânon ainda não estava definido e cada ramo do cristianismo possuía suas próprias Escrituras. Só que isso seria, hoje, um anacronismo, pois o grosso do cristianismo já tem um cânon consolidado e espiritismo faz uso de uma coletânea dele. Se levada a às últimas consequências, a afirmação de Imbassahy é simplesmente falsa, já que, desde Kardec, versículos bíblicos têm sido utilizados não apenas como fonte de ética – do contrário, até um ateu poderia ser cristão -, mas como corroborações doutrinárias e até mesmo proféticas(7). O aspecto religioso espiritismo não é só a moral cristã, mas toda uma reinterpretação de conceitos cristãos como salvação, pós-morte, a natureza da missão de Jesus, etc. O que cristãos ortodoxos têm feito é assinalar essa apropriação parcial da Bíblia, da mesma forma que judeus acusam o uso dado por esses ao Antigo Testamento. Do jeito que o espiritismo foi codificado por Kardec, fica difícil superar essa rixa. Seriam possíveis outros espiritismos?

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    Kardecismo e Espiritismo

    Em 1859, Allan Kardec publicou um pequeno livro chamado O que é Espiritismo (OQEE), em que faz um apanágio dos principais tópicos do espiritismo. Logo em seu preâmbulo, ele define em poucas palavras a proposta:

    Para responder, desde agora e sumariamente, à questão formulada no título deste opúsculo, nós diremos que:

    “O Espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, ele compreende todas as consequências morais que decorrem dessas relações.

    Pode-se defini-lo assim:

    O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, da origem e da destinação dos Espíritos, e das suas relações com o mundo corporal“.

    Note que não há referência alguma ao aspecto religioso. Pelo menos até esse estágio de desenvolvimento, o movimento espírita não buscava ser um ramo à parte do cristianismo estabelecido e, sim, um corpo de conhecimento que pudesse ser aceito independente da religião do indivíduo. Foi o aspecto filosófico, mais especificamente a Moral, que permitiu um desdobramento religioso. Mais adiante, na seção Espiritismo e espiritualismo do cap. I:

    “Pergunto-vos, em primeiro lugar, qual a necessidade da criação de novos termos: espírita e espiritismo, para substituir: espiritualista e espiritualismo, que são da língua vulgar e por todos compreendidos? Já ouvi alguém classificar tais termos de barbarismos.”

    A.K. “De há muito tem já a palavra espiritualista uma acepção bem determinada; é a Academia que no-la dá: Espiritualista, aquele ou aquela pessoa cuja doutrina é oposta ao materialismo. Todas as religiões são necessariamente fundadas sobre o espiritualismo. Aquele que crê que em nós existe outra coisa, além da matéria, é espiritualista, o que não implica a crença nos Espíritos e nas suas manifestações. Como o podereis distinguir daquele que tem esta crença? Ver-vos-eis obrigado a servir-vos de uma perífrase e dizer: É um espiritualista que crê ou não crê nos Espíritos.

    Para novas coisas são necessários termos novos, quando se quer evitar equívocos. Se eu tivesse dada à minha Revista a qualificação de espiritualista, não lhe especificando o objeto, porque, sem desmentir-lhe o título, bem poderia nada dizer nela sobre espíritos, e até combatê-los”.

    Em “Dissidências”, ainda no cap. I

    V.(isitante) – “Essa diversidade, na crença que vós chamais uma ciência, é, parece-me a sua condenação. Se ela se baseasse nos fatos positivos, não deveria ser a mesma na América e na Europa?”
    A.K. – “A isso responderei, primeiramente, que tal divergência só existe na forma, sem afetar o fundo; realmente ela apenas se limita ao modo de encarar alguns pontos da doutrina e não constituir um antagonismo radical nos princípios, como afirmam nossos adversários, sem ter estudado a questão.

    Dizei-me, porém, qual a ciência que, em seu começo, não deu nascimento a dissidências, até que seus princípios ficassem claramente assentados? Não encontramos as mesmas dissidências nas ciências melhormente constituídas? Estarão os sábios de perfeito acordo sobre todos os pontos? Não tem cada qual seus sistemas particulares? As sessões das Academias apresentam sempre o quadro de perfeito e cordial entendimento? Em medicina não há as Escolas de Paris e a Escola de Montpellier? Cada descoberta, em qualquer ciência, não em produzido cismas entre os que querem adiantar-se e os que desejam estacionar?(…)´”

    Essas três passagens de OQEE mostram algo interessante no começo do espiritismo:

    1. Ele tinha uma definição flexível, capaz de comportar muito daquilo que hoje chamas de espiritualismo;
    2. O espiritismo não estava atrelado à figura de Kardec, considerando o trabalho em outros continentes também como espiritismo;
    3. ”Espiritualismo” era qualquer coisa que se opusesse ao materialismo. Catolicismo poderia ser um “espiritualismo”, coisa que hoje não é mais dita. Deve-se ressaltar que Kardec já ouvira falar usos para o termo espiritualismo mais próximos ao moderno:

      Espiritualismo, espiritualista, são as palavras inglesas empregadas nos Estados Unidos desde o início das manifestações: delas se serviu, primeiro, por algum tempo, na França. Mas, desde que apareceram as palavras espírita e Espiritismo, compreendeu-se tão bem sua utilidade, que foram imediatamente aceitas pelo público. Hoje o uso delas é de tal modo consagrado, que os próprios adversários, os que primeiro as apregoaram de barbarismo, não empregam outras. Os sermões e as pastorais que fulminam contra o Espiritismo e os espíritas, não poderiam, sem confundir as ideias, lançar anátema sobre o Espiritualismo e os espiritualistas.

      Cap I, Espiritismo e Espiritualismo

    4. Kardec era tolerante com dissidências e as via como algo normal no processo de evolução da ciência.

    Ao parece, Kardec manteve esse opinião liberal por algum tempo considerável. Mais de meia década depois, ainda podia-se ler de sua pena:

    …Já se operaram divisões entre vós. Duas grandes seitas existem entre os Espíritas: os Espiritualistas da escola americana e os Espíritas da escola francesa; mas não consideremos senão esta última. Ela é una? não. Eis, de um lado, os Puristas ou Kardecistas, que não admitem cada verdade senão depois de um exame atento, e a concordância de todos os dados; é o núcleo principal, mas não é o único; diversos ramos, depois de terem se infiltrado nos grandes ensinos do centro, separam-se da mãe comum para formar seitas particulares; outros, não inteiramente destacados do tronco, emitem opiniões subversivas. Cada chefe de oposição tem seus aliados; os campos não estão ainda desenhados, mas se formam, e logo eclodirá a cisão. Eu vo-lo digo, o Espiritismo, como as doutrinas filosóficas que o precederam, não poderá ter uma longa duração. Ele foi, cresceu; mas agora está no auge, e já desce. Faz sempre alguns adeptos, mas, como o Saint-Simonismo, como o Fourierismo, como os Teósofos, ele cairá, para ser talvez substituído, mas cairá, eu o creio firmemente…”

    O Abade D… (um opositor do Espiritismo recentemente desencarnado)

    Resposta de Allan Kardec:

    (…) Falais das seitas que, em vossa opinião, dividem os Espíritas, de onde concluís a ruína próxima de sua doutrina; mas vos esqueceis de todas aquelas que dividiram o Cristianismo desde seu nascimento, que o ensanguentaram, que o dividem ainda, e cujo número, até este dia, não se eleva a menos de trezentos e sessenta. No entanto, apesar das dissidências profundas sobre os dogmas fundamentais o Cristianismo ficou em pé, prova de que é independente dessas questões de controvérsias. Por que quereríeis que o Espiritismo, que se liga por sua própria base aos princípios do Cristianismo, e que não é dividido senão sobre questões secundárias se elucidando cada dia, sofresse divergência de algumas questões pessoais, quando tem um ponto de união tão poderoso: o controle universal?

    O Espiritismo estaria, pois, hoje dividido em vinte seitas, o que não é e não será, que isso não levaria a nenhuma consequência porque é o trabalho de nascimento. Se divisões fossem suscitadas por ambições pessoais, por homens dominados pelo pensamento de se fazerem chefes de seitas, ou de explorarem a ideia em proveito de seu amor-próprio ou de seus interesses, estes seriam, sem contradita, os menos perigosos. As ambições pessoais morrem com os indivíduos, e se aqueles que quiseram se elevar não têm por eles a verdade, suas ideias morrem consigo, e talvez antes deles; mas a verdade verdadeira não poderia morrer.

    Estais no verdadeiro, senhor abade, dizendo que haverá ruínas no Espiritismo, mas isso não é como o entendeis. Essas ruínas serão a de todas as opiniões errôneas que fervem e se fazem luz; se todas estão no erro, todas elas cairão, isto é inevitável; mas se houver uma só delas que esteja na verdade, ela sobreviverá infalivelmente (…)

    Revista Espírita de Out/1865 – Partida de um adversário do Espiritismo para o mundo dos Espíritos.

    Nem tudo, porém, era concórdia e diplomacia. Pouco depois, na edição de abril de 1866, dois artigos teceram fortes críticas a duas dissidências: uma que depreciava o valor das comunicações espirituais recebidas até então, preferindo até mesmo interrompê-las (“Espiritismo sem Espíritos”), e outra autodenominada “Espiritismo Independente” que seria “o Espiritismo livre, não só da tutela dos Espíritos, mas de toda direção ou supremacia pessoal, de toda subordinação às instruções de um chefe, cuja opinião não pode, tendo em vista que não é infalível“. Ainda que não seja possível provar, fica-se com a impressão que esse último grupo enviara uma crítica indireta a alguma postura centralizadora de Kardec. Ele teria visto que a carapuça era de seu tamanho e a vestiu (8). Na edição de junho, é discutido o lançamento de Os Quatro Evangelhos, de J.B. Roustaing, um comentário dos evangelhos à luz de comunicações espirituais. No geral, a RE é simpática à novidade que, em suas palavras “ é um trabalho considerado, e que tem, para os Espíritas, o mérito de não estar, sobre nenhum ponto, em contradição com a doutrina ensinada por O Livro dos Espíritos e o dos médiuns. As partes correspondentes àquelas que tratamos em O Evangelho Segundo o Espiritismo o são num sentido análogo“. A única objeção feita foi contra a alegação de que Jesus nunca tivera um corpo de carne e ossos, mas um (peri)espiritual(9). De certa forma, isso é reedição de heresia docetista(10), usada como premissa para explicar não só a Imaculada Concepção, mas todos os milagres de Jesus. O artigo da RE aceita esse neodocetismo como hipótese a ser averiguada por novas comunicações espirituais e assevera um grande poder perispiritual de Jesus (um supermédium por sua altíssima evolução espiritual) já bastaria como explicação. A opinião de Kardec sobre as teses rustanistas deve ter mudado algum tempo depois, já que em A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, publicado em 1868, ele declaradamente rejeita essa hipótese (cap. XV, itens 64-5). Esse foi apenas o começo de uma longa rivalidade no meio espírita/espiritualista e que ainda dá o que falar (11).

    Após a morte de Kardec, escritos seus ainda inéditos foram reunidos em Obras Póstumas (OP), onde se encontra o que talvez seja sua opinião final sobre o espiritismo:

    Tomando a iniciativa da constituição do Espiritismo, usamos de um direito comum, o que todo homem tem de completar, como o entender, a obra que haja começado e de ser juiz da oportunidade. Desde o instante em que cada um é livre de aderir ou não a essa obra, ninguém se pode queixar de sofrer uma pressão arbitrária. Criamos a palavra Espiritismo, para atender às necessidades da causa; temos, pois, o direito de lhe determinar as aplicações e de definir as qualidades e as crenças do verdadeiro espírita. (Revista Espírita, abril de 1866, página III)

    OP, 2ª parte, Constituição do Espiritismo

    Isso não está nem um pouco de acordo com a ideia contido em OQEE, onde definiu o termo espiritismo de forma bem liberal e tolerante à divergência. No fim da vida, vendo essa liberalidade levar o espiritismo a rumos que não aprovava, quis se apoderar do neologismo que criara. Como nem OQEE, nem OP pertencem ao conjunto de obras tidas como básicas pelos espíritas (o Pentateuco), então fica-se com uma espécie de “limbo doutrinário”. Mas Kardec, ao menos originalmente, não se propôs a uma doutrina, mas a uma “ciência e filosofia”, passível de dividir em escolas, portanto não seria mais conveniente chamar o resultado de seu trabalho de kardecismo?

    A codificação espírita e as obras complementares (RE, OP, OQEE, etc) são o resultado da pesquisa coordenada por Kardec. Só que ele não o único a estudar as supostas relações entre o mundo espiritual e o nosso, sendo que muitos que também o fizeram chegaram a conclusões distintas. Com a ciência desse fato e a definição ampla de espiritismo constante em OQEE, sem dúvida é conveniente chamar aquele seguem bem de perto as teses de Allan Kardec de kardecistas.

    De experiência pessoal, há os sentem calafrios com essa palavra por a entender que existiria alguma espécie de “adoração” a Kardec. Isso é particularmente besteira, afinal os luteranos não cultuam Lutero. Outros consideram-na um neologismo desnecessário para distingui-los de membros de espiritualismos distintos (cultos afro-brasileiros, principalmente), afinal “o espiritismo é um só”. Longe de ser uma novidade brasileira, esse termo pode ser rastreado até o século XIX, no livro Lights and Shadows of Spiritualism (1877), do médium escocês Daniel Dunglas Home. No segundo capítulo da terceira parte do livro (Modern Spiritualism), Home faz uma apreciação nada agradável da obra de Kardec, particularmente de sua defesa da reencarnação, tratando-a como uma das fallacies of Kardecism (12). Nem só antagonistas se valeram do termo. Henri Sausse – um dos maiores partidários do espiritismo e autor de uma biografia de Kardec que até hoje a FEB edita junto com OQEE – lançou em 1918 o periódico Le Spiritisme Kardéciste.

    Portanto, é plenamente viável considerar os adeptos da umbanda, Roustaing, Ramatis, e afins como seguidores de correntes diferentes de espiritismos. Já vejo “kardecistas” levantando pedras e clamando: “umbanda é um sincretismo, Roustaing escreveu absurdos e Ramatis é um pseudossábio!”. Uma coisa de cada vez:

    • Se o problema da umbanda é sua mistura com religiões africanas, então o kardecismo também é problemático por misturar cristianismo com modismos cientificistas vitorianos e reencarnação pagã. A não ser que se viva numa tribo isolada, não há como se professar uma doutrina que seja “puro sangue”, pois todas herdam algo de suas antecessoras, trocam ideias com suas rivais (ou se definem em oposição a elas) e se adaptam ao gosto local.
    • Se Roustaing escreveu coisas duvidosa, não creia que Kardec está isento disso;
    • Se Ramatis é suspeito, não ache que a codificação está livre deles, do contrário este portal não existiria. Talvez o principal erro dos ramatistas foi colocar muitos ovos num mesmo cesto.

    O que realmente há de impressionante nessa querela, é que os espíritas kardecistas, que se se consideram a adeptos da “Terceira Revelação”, advogam o reconhecimento do seu caráter cristão pelas filhas da “Segunda Revelação” ao mesmo tempo rejeitam como espíritas as seitas que são irmãs da sua! Alguma coisa está incoerente…

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    Quem detém a Definição, detém o Poder

    Fuga do cérebro

    Nos primeiros séculos do cristianismo, circulou, principalmente entre os cristãos egípcios, um documento conhecido como Epístola de Barnabé, que era na verdade um tratado apócrifo atribuído a esse companheiro de Paulo de Tarso. Datado entre 70 e 132 de nossa Era, seu texto pode chegar a assustar o leitor moderno com alguns absurdos escritos, como a declaração de as hienas trocam de sexo a cada ano (13), coisa completamente compreensível pela ignorância da época quanto ao funcionamento da Natureza. Ressalte-se o cuidado para que essas “curiosidades” não distraiam o leitor da característica mais, digamos, marcante dessa obra: o antissemitismo.

    Valendo-se de inúmeros (às vezes hilários) simbolismos, seu anônimo autor tentou provar que o judaísmo seria uma religião falsa desde o princípio, não tendo os judeus tido nunca uma aliança com Deus. Isso porque tomaram o Antigo Testamento de forma muito literal, quando seu verdadeiro (e bem alegórico) significado corresponderia às práticas do cristianismo nascente. Os cristãos, por esse autor, seriam o verdadeiro povo de Deus e seus herdeiros, pois os judeus cortaram seu vínculo com Ele ao construir sua religião de forma errônea. Ao contrário do (também anônimo) autor da Epístola aos Hebreus, “Barnabé” não defende nenhuma continuidade entre o judaísmo histórico e o cristianismo nascente, mas, sim, sua ruptura. Uma continuidade, por outro lado, ocorreria em relação às Escrituras (no caso, ao Antigo Testamento), cuja verdadeira interpretação era a professada pelos cristãos.

    Felizmente, a Epístola de Barnabé acabou fora do cânon, senão haveria o risco de o antissemitismo cristão pelos séculos ter sido ainda mais intenso do que foi. Resta matutar o que levou um seguidor de Jesus a agir de modo tão pouco “cristão” para com os membros da religião que seu Messias professou. Se você quer descobrir isso com o enfoque de um ocidental do século XXI, não verá muita coisa além de preconceito. Entretanto, se lembrar que entre final do século I e o começo do II o cristianismo não passava de um conjunto de seitas marginais cujos ínfimos seguidores não contavam com reconhecimento estatal, ao passo que o judaísmo estava bem estabelecido como credo étnico e contava com um número bem maior de adeptos, então tudo ganha outro sentido (14). “Barnabé” precisava justificar a seu público que a religião que abraçaram não era errada, nem mal conduzida. Para tanto, tomou uma postura defensiva ante uma força (então) bem mais poderosa que seu grupo ao definir sua identidade em oposição a seus adversários imediatos: os judeus. Foi o início da pregação cristã antissemita, que se sofisticou à medida que o cristianismo convertia sua porção de eruditos. Isso não teve consequências mais sérias enquanto os cristãos foram minoria no Império Romano, mas após a conversão do imperador Constantino no começo do século IV, o cristianismo se expandiu a galope e já era dominante na virada do século seguinte. Tempos sombrios começaram para os judeus e, de certa forma, ainda não se encerraram.

    Por que se desenterrou esse antigo documento cristão? Que tem ele a ver com o espiritismo moderno? Bem, os tempos são outros, os judeus não são o assunto principal aqui e temos a vantagem de poder olhar em retrospectiva uns vinte séculos de erros cometidos em nome de Jesus. É essa vantagem que permite enxergar que, embora cenários e atores sejam diferente, algumas atitudes permanecem. A primeira é defensiva, muito similar a da Epístola de Barnabé, em que espíritas rompem com religião que os antecedeu (cristianismo ortodoxo), mas não inteiramente com seu livro sagrado: o Novo Testamento. No processo, infelizmente, acusaram seus predecessores de “falsidade ideológica”. Se “Barnabé” usava e abusava de simbolismos, Kardec não ficou muito atrás no Evangelhos Segundo o Espiritismo (ESE), foi complementado no revisionismo histórico de Léon Denis, refinado nas traduções “à moda da casa” de Pastorino e Severino C. da Silva, atingindo o zênite com a boataria do V Concílio Ecumênico. Isso não é tão danoso para o cristianismo ortodoxo, já que o espiritismo ainda é minoritário, mas que não se esqueça de suas pretensões:

    798. O Espiritismo se tornará crença comum, ou ficará sendo partilhado, como crença, apenas por algumas pessoas?

    “Certamente que se tornará crença geral e marcará nova era na história da humanidade, porque está na natureza e chegou o tempo em que ocupará lugar entre os conhecimentos humanos. Terá, no entanto, que sustentar grandes lutas, mais contra o interesse do que contra a convicção, porquanto não há como dissimular a existência de pessoas interessadas em combatê-lo, umas por amor-próprio, outras por causas inteiramente materiais. Porém, como virão a ficar insulados, seus contraditores se sentirão forçados a pensar como os demais, sob pena de se tornarem ridículos.”

    Comentário de Kardec:

    ☼ As ideias somente se transformam ao longo do tempo e não subitamente. De geração a geração vão se enfraquecendo e acabam por desaparecer pouco a pouco junto com seus seguidores, substituídos por outros indivíduos inspirados por novos princípios, como ocorre com as ideias políticas. Observai o paganismo; não há ninguém que atualmente aceite suas ideias religiosas; entretanto, muitos séculos após o surgimento do Cristianismo, ainda há traços do paganismo que somente a completa renovação das raças pode apagar. Ocorrerá o mesmo com o Espiritismo; ele fez muito progresso, mas haverá ainda, durante duas ou três gerações, um fermento de incredulidade que apenas o tempo destruirá. Todavia, sua marcha será mais rápida que a do Cristianismo, porque o próprio Cristianismo é quem lhe abre os caminhos e está nele apoiado. O Cristianismo tinha o que destruir; o Espiritismo só tem que edificar.

    Livro dos Espíritos, – Parte 3ª – Cap. VIII

    Por enquanto, a humanidade ainda aguarda um desfecho para esse vaticínio (quem sabe mais um século e meio), porém se fizéssemos um exercício mental acerca do que aconteceria se ele já fosse verdade, qual seria o paradigma da pesquisa histórica do cristianismo? Será que os livros sobre esse período seriam reescritos enfocando as semelhanças com espiritismo e descartando as diferenças? Para ser sincero, não é preciso que a resposta da pergunta 798 do LE se concretize para que isso aconteça. Fazendo um paralelo com os livros didáticos de ciências humanas escritos por autores marxistas nos anos 80 e 90 do século XX, distorções dos fatos podem atingir um público muito mais amplo que os adeptos de uma doutrina. Ainda mais quando se propõem que a denúncia desses “fatos” são uma forma tardia de justiça contra o que julgam ser a encarnação do Mal sobre a Terra. No caso das esquerdas, o desforrismo se deu contra as Forças Armadas, particularmente em sua atuação na Guerra do Paraguai; a enquanto vítima preferida dos credos e filosofias de “vanguarda” (sempre) foi a Igreja Católica. O sucesso das teorias de O Código Da Vinci que o diga. Felizmente, a historiografia brasileira já conta com uma postura um mais balanceada e sólida surgida com uma nova geração de historiadores não tão maniqueísta (15). A “história segundo os místicos”, por sua vez, nunca fez sucesso entre os acadêmicos, a diferença é que agora há mais deles traduzindo seus jargões para os leigos, embora não vendam tanto assim, afinal os mitos têm muito mais apelo que a verdade.

    Outra, e lamentável, atitude do passado que se repete com atores modernos é a ânsia de monopólio. Da mesma forma que a hoje chamada “ortodoxia cristã” não passa da facção que venceu a disputa por “corações e mentes”, é muito similar à alegação dos kardecistas de que eles são o único espiritismo. A diferença é que nunca houve uma definição sólida do que é cristianismo (lembre-se: Jesus nada escreveu), ao passo que o espiritismo já nasceu com uma definição, só que era uma bem elástica. É de espantar que kardecistas, hoje, usem o termo “espiritualismo” para agregar todas os sistemas que lidam com espíritos – deixando “espiritismo” para si mesmos – , quando OQEE considerava ambos intercambiáveis. Quem mais paga com essa postura purista são os membros da umbanda, que possuem uma relação conflitante com os kardecista.

    A umbanda não atacava diretamente as ideias de Kardec, daí uma certa ambiguidade de associações espíritas e de suas federações para com ela; as lideranças estavam propensas, no entanto, a considerá-la fora do movimento espírita.

    Do espiritismo não raro partiam definições dos caboclos e pretos-velhos da umbanda como espíritos inferiores. Dirigentes espíritas incomodavam-se com as características rituais da umbanda envolvendo imagens, sons, cores, fumo, bebida e oferendas rituais conhecidas como despachos. Mesmo assim, a decisão de excluir umbandistas demorou a se consolidar. Em 1953, a Federação Espírita Brasileira declarava que os umbandistas podiam ser considerados espíritas, afirmando então que “todo aquele que crê na manifestação dos espíritos é espírita”. Essa abertura sofreu forte combate interno, e, em 1958, o Segundo Congresso Brasileiro dos Jornalistas e Escritores Espíritas opunha-se à umbanda em nome do rigor doutrinário. Por fim, em 1978, o principal órgão da imprensa espírita, O Reformador, definia como “imprópria, abusiva e ilegítima” a prática que tinham os umbandistas de se denominarem espíritas.

    [Santos, cap. VI, p. 57]

    Ambas as atitudes repousam seu poder no controle das definições de “cristianismo” e de “espiritismo”. Basicamente:

    • Caso se queira deixar algo de fora de um conjunto, é só utilizar uma definição o suficiente específica e estreita;
    • Caso se queira incluir algo, é só adotar uma definição bem liberal.

    Isso pode ser aplicado a qualquer discussão. Por exemplo, é fácil desconsiderar certos trechos da literatura kardequiana (16) como racistas, basta restringir “racismo” às antigas políticas dos estados sulistas dos EUA ou da África do Sul na vigência do Apartheid. E quem detém uma definição, detém o poder, já tem meio caminho andado para impor seu ponto de vista a outrem. A questão é se é justo ou não acatar os termos que são propostos, que parecem bem discutíveis na temática tratada: se você é “cristão ortodoxo”, informo que não tem nenhum “pedigree” aqui, e se é umbandista, nunca deixe um advogado da “Codificação” te rebaixar. Somos todos vira-latas, que se unem aleatoriamente e dão origem a novas linhagens. Aí está a nossa força, ao contrário dos que se atêm a uniões endogâmicas que acabam por lhes enfraquecer.

    Quanto a política deste portal, os termos “espiritismo” e “kardecismo” são usados de forma um tanto promíscua. Há coisas mais importantes para se preocupar.
    [topo]

    Notas

    (1) Curiosamente, até 2009, nossa legislação considerava como estupro apenas atos de violência sexual de homem contra mulher. O sexo forçado homossexual era “atentado violento ao pudor”. Asina lex, sed lex.

    (2) É atribuída à feminista Marilyn French a frase: “todos os homens são estupradores e isso é tudo que eles são”. É, provavelmente, uma citação falsa, mas em 1992, ela lançou o livro The War against Women (“A Guerra contras as Mulheres”) que deixa transparecer que é realmente isso que ela pensa. Ela e Valerie Solanas (com seu Manifesto SCUM) prestaram um grande desserviço ao feminismo com seu humor involuntário.

    (3) Analisando sob certo ângulo e com umas pitadas de cinismo, a rigor, nenhum sexo é gratuito.

    (4) Os norte-americanos têm uma interessante forma de classificar “gradações” de sexo, baseados no jargão do beisebol:

    1. Primeira base: beijo;
    2. Segunda base: contato acima da cintura;
    3. Terceira base: contato abaixo da cintura;
    4. Quarta base: cópula, coito, intercurso, etc.

    Eis uma forma um tanto “nerd” de retratar isso:

    Base System.

    Repare que o limite da “virgindade” fica entre a terceira e a quarta base. Você o colocariam em outro lugar? Procure na internet informações sobre a “Linha de Maginot” (Maginot Line) para saber por que a virgindade foi comparada a ela e por que os adolescentes (teens) a contornam.

    (5) Orígenes, Contra Celso, livro II, cap. I.

    (6) Essa opinião veio a ser conhecida como “docetismo”, do grego dokeo: aparentar (ser carnal).

    (7) Vide a “pluralidade de mundos” e o “Consolador prometido” no ESE.

    (8) Fica-se a pensar quais teriam sido os argumentos deles. Aqui está apenas uma rápida versão dos fato de Kardec, mas os textos de o Espiritismo Independente seriam bem mais reveladores, afinal Kardec não pôde desconsiderá-los. É uma situação similar à briga entre Paulo de Tarso e os missionários cristãos judaizantes: só temos a versão do primeiro (cf. Gálatas).

    (9) Ou fluídico, no jargão espírita.

    (10) Cf. nota nº 5.

    (11) De [Santos, cap. VI, p. 54-5]

    A disputa entre kardecistas e rustanistas era um dos entraves internos à coordenação unificada do movimento. A FEB tinha sido assumida pelos rustanistas na virada do século XIX para o XX e assim permaneceu. Nem a FEB, a despeito de sua condição de referência nacional do espiritismo, escapou de um confronto direto quanto as suas pretensões federativas.

    Em 1926, espíritas descontentes com a FEB convocaram uma Constituinte Espírita Brasileira. O motivo alegado de insatisfação foi a inação da FEB quando da reforma parcial da Constituição, ocorrida no ano anterior, ocasião em que uma corrente clerical do poder legislativo havia apresentado emendas favoráveis à Igreja Católica, dispondo sobre ensino religioso nas escolas e a definição do catolicismo como religião do povo brasileiro.

    A FEB foi acusada de omissão, e a oposição espírita às emendas, que não foram aprovadas, ficou por conta de iniciativas individuais.

    Reunida no Rio de Janeiro, a Constituinte Espírita resultou na criação da Liga Espírita do Brasil com propósitos de unificar o movimento espírita em âmbito nacional. Apresentava-se, assim, como uma alternativa à Federação Espírita Brasileira e, ao contrário desta, suas lideranças eram kardecistas.

    A FEB reagiu convocando, no mesmo ano de 1926, a primeira reunião de seu Conselho Federativo, composto de representantes de centros e associações a ela filiados. Procurava com isso manter sua posição de referência para o espiritismo nacional e propunha objetivos ambiciosos para os debates da reunião: “para que a Terra de Santa Cruz se desobrigue da missão que lhe coube na obra de disseminação da verdade espírita pelo mundo”. A Liga Espírita do Brasil, por seu turno, continuava suas atividades, tentando organizar ligas espíritas nos Estados, com fins federativos.

    Um aspecto importante desse período de expansão é que o espiritismo cresceu mais com base no kardecismo do que no rustanismo. Em Estados que iam assumindo peso no movimento espírita, como São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, a presença do rustanismo foi discreta, ainda que não tenha deixado de influir no movimento federativo.

    (…)

    Como os rustanistas não negavam a obra de Allan Kardec, antes pretendiam acrescentar a ela a de Roustaing, os livros de Kardec tornavam-se referência comum para os espíritas. A questão rustanista era assim uma questão interna do movimento.

    Então, houve uma postura da FEB de abraçar as obras kardecistas e rustanistas ao mesmo tempo, colocando essas últimas continuação direta das primeiras, ou, usando a expressão usada, “um curso superior de espiritismo”. Veja a figura abaixo com uma propaganda próxima à época:

    Propaganda de Os Quatro Evangelhos.

    Propaganda de Os Quatro Evangelhos constante nas páginas finais de uma edição de 1932 de Cristianismo e Espiritismo, pela Livraria da FEB.

    Com o grande processo de conciliação e unificação ocorrido no final dos anos 40 e início dos 50 – o “Pacto Áureo” -, a FEB voltou a se tornar referência no movimento, mas nada se disse a respeito dos livros de Roustaing. Optou-se pelo silêncio nessa questão e, a quem quisesse, sua obra ficaria apenas como literatura complementar à Codificação Kardecista [Santos, cap. VII, p. 63].

    (12) A título de curiosidade, nesse mesmo livro Home transcreve uma suposta comunicação que teria recebido de Allan Kardec logo após a sua morte, em que “ele” lamenta a condução que deu ao movimento espírita. O problema dessa carta é que … Não há como saber se foi realmente de Kardec, creia-se ou não em vida após a morte. O engraçado é que às vezes esbarro com protestantes e católicos fanáticos alegando que “Kardec se arrependeu do espiritismo” sem ter a menor noção de que se referem a uma informação obtida por meio de um médium. Coisa do demônio, segundo eles. Os espíritas, por sua vez, também têm ao menos um caso de obscura “mudança de opinião pós-morte”. Nesse caso, falamos do Dr. Bezerra de Menezes, um grande expoente do movimento em seus primeiros anos no Brasil e diretor da FEB, além de notório rustanista, que, na mensagem “Kardec e Vida”, psicografada por Chico Xavier, teria declarado “kardequizar é a legenda de agora!”. Ok, mas que cuidado tomaram para saber se era o Dr. Bezerra mesmo?

    (13) Do seguinte trecho:

    Outra vez, “não comerás a hiena”; não irás, disse Ele, tornar-se um adúltero ou um fornicador, nem hás de se parecer com tais pessoas. Por que isso?, Porque esse animal muda sua natureza ano a ano, e se torna ora macho, ora fêmea. Além disso, Ele também detestou a doninha com boa razão. Não se tornarás, disse Ele, tal como aqueles homens de quem ouvimos praticar iniquidade com suas bocas em razão de imundície, nem penetrarás mulheres impuras que praticam a iniquidade com suas bocas. Já que esse animal engravida com sua boca.

    10:7-8

    De experiência pessoal, já vi recusarem a análise desse documento (e outros) por causa desses absurdos. O problema é isso é raciocinar como um homem de fé rejeitando outra fé. O enfoque historicista não pode ignorar que isso não era absurdo na época em que foi escrito e por mais estranha que uma crença seja aos olhos modernos, deve-se descobrir como seus adeptos originais se relacionavam com ela. Deixe os juízos de valor para os debatedores fanáticos.

    Ademais, com algum conhecimento de zoologia, pode-se compreender porque o autor de Barnabé escreveu tal coisa: as fêmeas da hiena malhada possuem a particularidade de serem mais suscetíveis, durante a gestação, aos efeitos do hormônio testosterona e, como resultado, seu clitóris se torna exageradamente desenvolvido. Quando excitadas, são capazes de ter “ereções” maiores que as dos machos. Isso não é uma mudança de sexo, mas um psedo-hermafroditismo, só não era possível dar essa explicação no começo do século II.

    (14) Se um judeu do século II lesse a Epístola de Barnabé, ele poderia muito bem falar “Ah, tá!” com um sorriso debochado na cara. Já seus tataranetos….

    (15) Sugiro a leitura de Maldita Guerra, de Francisco Doratioto. Ou pode ler esta pequena amostra. Um trecho que gostei muito foi:

    Infelizmente, há um problema: os professores de história, que faziam faculdade nos anos 60 e 70, continuam ensinando essas besteiras aos nossos jovens.

    Falo de Guerra do Paraguai e já vem alguém me dizer que nós, capachos da Inglaterra, destruímos a única nação do século XIX que oferecia uma alternativa ao modelo econômico colonialista imperialista vigente. Ufa!

    E eu pergunto: quantos livros você leu, quantos arquivos você estudou pra fazer afirmações tão bombásticas? E ele conta que a tia Stanililda, que usava sandálias de couro cru e não comia no McDonald’s, contou isso tudo pra ele na quinta série, e ele nunca mais esqueceu.

    Fazendo um paródia do blog, com quem você aprendeu sobre o cristianismo primitivo? Pesquisou a melhor literatura acadêmica (ou de divulgação) sobre o tema ou buscou em livros de leigos místicos, ascencionados e simpatizantes?

    Quanto ao Código Da Vinci, Bart Ehrman (sim, quem diria!?) tem um livrinho interessante sobre ele. Mas se você é espírita, talvez não goste dele…

    (16) Cf. OP (“Teoria da Beleza”) e RE de abril de 1862 (“Frenologia Espiritualista e Espírita _ Perfectibilidade da Raça Negra”).

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    Para Saber Mais

    – Joannides, Paul; Tudo sobre Sexo, Leganto, 2005.

    – Santos, José Luiz dos; Espiritismo – Uma Religião Brasileira, Coleção Polêmica, Editora Moderna, 2ª ed., 1997.

    – Theissen, Gerd, A Religião dos Primeiros Cristãos, Paulinas, 2009.

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3 comentários em “Kardecismo x Espiritismo x Cristianismo: O Poder das Definições (para o Bem e para o Mal)

  1. Não tem nada a ver querer vincular espiritismo e cristianismo! Ao longo da história vários movimentos alegaram ser extensões ou fazer uso da herança cristã, pelo motivo dela ser bem popular. O islamismo fez isso, o maniqueísmo fez isso, o mormonismo, e também a fé bahai. Quem tem a peculiaridade de querer aproveitar tanto a herança cristã quanto a herança islâmica. Da mesma forma o espiritismo. Se nenhum dos movimentos anteriores é considerado cristianismo, por que o espiritismo o seria? Essa questão nem deveria ter sido colocada.

  2. Relação Origenes-Roustaing, nada a comentar? Vejo pontos comuns: queda dos anjos, criação (vida a partir da matéria inorgânica) e outros. Seria apenas coincidência?

  3. Velho, sem falsa caridade verbal espirita (ou sera kardecista?), na primeira vez q vi seu site detestei (sim imaginei: mas um evangélico, aff como eu era a 10 nos atrás), mas depois do terceiro post já tava na dúvida, especialmente, depois q observei o cuidado de se interpretar as fontes inseridas em seu contexto histórico, dentro do possível, o q mais curti (enquanto historiador, mas espiritismo e/ou religiões nunca foi meu foco) foi a riqueza de perspectivas e questionamentos, aliás eu também sempre detestei aquela versão dos estudos budistas de Cristo e a conspiração de Teodora contra a reencarnação, sempre me cheiraram a fantasia (ao menos de onde li ate agora). Mas pra não ficar só na rasgação de seda, só achei exagerado o exercício de futurologia, o caso da futura hegemonia do espiritismo kadercista, talvez por quê no fundo não acredite q tal coisa ocorra, acho q as linhas neo-pentecostais são mais aptas, ao menos no Brasil, seu conceito de espiritualidade é de mais fácil popularização e creio estar melhor sintonizada com a cultura e aspirações brasucas (mera intuição), talvez o futuro seja da Universal, Mundial e congêneres que na velocidade q convertem (segundo dizem) espiritualistas kadercistas e umbandistas vão provar que aquele vaticinio do amanhã espírita não passou de uma PROFETADA …

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