Ciências Naturais

Confirmada a Alquimia!

Você sabe como se determina a quantidade de ouro no mar? Não estou falando da cargas dos antigos galeões naufragados, abarrotados com tesouros do Novo Mundo, mas das partículas desse metal que estão suspensas na água oceânica. Se pegássemos uma tonelada dela e deixássemos evaporar, ficariam cerca de 35kg de resíduos salinos, sendo 29,5kg só de cloreto de sódio (vulgo sal de cozinha). No pó restante haveria apenas 6 milionésimos de grama de ouro disperso, um valor tão pequeno que chega a ser impossível a separação por vias mecânicas. Então, como sabemos esse valor? É que os cientistas se valem de um método chamado análise por ativação que, de certa forma, conta átomo a átomo de ouro por vias indiretas. Eis suas etapas:

  1. Uma amostra de água marinha é colocada no interior de um reator nuclear (ou seja, não dá para fazer isso em sua cozinha). Lá dentro, fica exposta a “bombardeios” de nêutrons oriundos das reações de fissão nuclear do urânio e do plutônio;
  2. Muitos desses nêutrons acabam sendo absorvidos por átomos de ouro, que, normalmente, possuem 79 prótons e 118 nêutrons. Esse nêutron extra cria um isótopo artificial, chamado de ouro 198 (118 + 79 + 1);
  3. Contudo, o núcleo o ouro 198 é instável e, terminada a acomodação o novo nêutron, um elétron é expelido pelo núcleo a partir de um dos nêutrons (não necessariamente do “intruso”) e núcleo passa a ter 80 prótons. O átomo não é mais de ouro: é mercúrio!
  4. Esse processo não é imediato, mas em aproximadamente três dias (2,69 dias para ser mais preciso), metade do total original de ouro 198 terá se convertido em mercúrio. Passados mais três dias, metade desse remanescente também terá se convertido, e assim por diante, numa progressão geométrica decrescente.
  5. Cada novo átomo de mercúrio, por sua vez, emite energia na forma de radiação gama, que pode ser analisada por um espectrômetro especial e distinguida da emitida pelos núcleos de outros elementos.
  6. Conhecidas as características do reator e o tempo de irradiação, é possível calcular com precisão o percentual de átomos de ouro que se tornaram radioativos. Identificando-se a energia emitida por eles à medida que vão se desintegrando e sua intensidade, pode-se estimar a quantidade de átomos que a emitiram e daí a quantidade original dos que eram de ouro comum.
  7. Sabemos que 197 gramas de outro contêm 6,06 x 1023 átomos (o famoso número de Avogrado), então uma simples “regra de três” determina o peso das partículas de ouro na amostra.

Ok, no caso teríamos uma “alquimia reversa”, pois o ouro foi transformado num metal “menos nobre” e não o inverso, o que não nos impede de cogitar outras reações nuclear que obtivessem o efeito desejado. De qualquer forma, o sonho dos antigos alquimistas já é uma realidade e eles riram por último. Certo?

Errado.

A alquimia, digamos, “clássica” baseava-se na existência de apenas quatro elementos na Natureza – terra, ar, fogo e água – e todos os demais materiais seriam um combinação deles. Para transformar algum metal barato em ouro bastaria descobrir a receita para recombinar esses quatro elementos. Seu raciocínio, portanto, era lógico, mas suas premissas estavam totalmente erradas. Não passava pela cabeça dos alquimistas que existissem outros elementos, que seus quatro elementos nada tinham de “elementar”, que o próprio átomo fosse divisível e muito menos idealizar reações nucleares. Toda a semelhança entre eles e a moderna Física Nuclear é meramente superficial, para não dizer risível.

Aonde quero chegar com isso? Guardadas as devidas proporções, este portal também tem de lidar com algo também se encontra obsoleto em vários pontos: a ciência do século XIX. Portanto, na hora de (in)validar alguma afirmação de cunho científico contida na codificação espírita, é preciso, antes, fazer a seguinte pergunta: “estamos falando da mesma coisa?”

Além disso, deve-se ter em mente que Kardec se ateve ao conhecimento tido por consolidado em sua época. Em uma observação no capítulo 27 de O Livro dos Médiuns, declarou que não se deve…

Jamais se deixar ofuscar pelos nomes usados pelos Espíritos para darem validade às suas palavras.Desconfiar das teorias e sistemas científicos ousados.Enfim, desconfiar de tudo o que se afaste do objetivo moral das manifestações.Poderíamos escrever um volume dos mais curiosos com as estórias de todas as mistificações que têm chegado ao nosso conhecimento.

Bem, se algum espírito resolvesse falar dos comportamentos “paradoxais” da matéria em nível atômico ou quando próxima à velocidade da luz, descobertos cerca de 60 anos depois, sua comunicação seria prontamente classificada como mistificação. Deve ter havido, de fato, muita idiossincrasia, mas o descarte das discrepâncias não nos permitirá mais rever a avaliação dada. Assim, a metodologia de Kardec estava sujeita a falsos positivos – quando aceitava uma comunicação em conformidade com os paradigmas científicos época e que se revelaram errôneas depois – e a possíveis falsos negativos – quando rejeitasse teorias então esdrúxulas, mas que seriam aceitas posteriormente.

Como o material com que Kardec trabalhou não está mais acessível, só posso trabalhar com os “falsos positivos” constantes na codificação e a “zona cinza” de afirmações ousadas, embora não chegassem a violar os pressupostos de seus contemporâneos, mas que talvez careçam do que se possa chamar de “comprovação” posterior por falta de um real correspondente moderno.

Mantendo consciência disso, vamos em frente.

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