Balanço da Questão Origenista

Índice

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Afinal, Orígenes acreditava ou não na reencarnação?

Sim, não, depende. Defina-me reencarnação primeiro e aí, então, discutimos. Quando se tem que definir algo, surge o problema de o quanto a definição deve ser abrangente e, em geral, cada lado tenta impor a definição que mais lhe convier, o que já é meio caminho andado para ganhar (desonestamente) um debate.

De concreto, temos a crença na preexistência das almas e sua queda. Por outro lado, defendeu um modelo de ressurreição bem ortodoxo em De Principiis, II, X

Pois se corpos são erguido outra vez, sem dúvida eles se erguem para nos revestir; e se nos é necessários ser investidos de corpos, como é certamente necessário, não devemos ser investidos com nenhum outro senão o nosso próprio.

O sistema origenista guarda grandes semelhanças também com sistemas platônicos. Algumas diferenças, porém, são chamativas: a volta a algum corpo físico só se daria entre “aeons” (eras) distintos, não no mundo tal como o conhecemos e, sim, em novos; com uma possível continuidade entre o antigo corpo físico e o seguinte, o que permitiria conciliar este sistema cíclico com uma ressurreição ortodoxa (ou uma ressurreição e julgamento final ao fim de cada era, como na versão de Rufino); um ponto final para essa criações sucessivas (apocatástase), quando todas as almas estariam “sujeitas a Cristo” e Deus seria “tudo em todos”; e o valor do mérito no futuro, coisa nem sempre presente em sistemas neoplatônicos e que podia levar tanto a ascensões quanto a quedas momentâneas.

A falta de um texto confiável de De Principiis só piora a questão. Basicamente, as fontes que temos são a tradução corrompida de Rufino, extratos da coletânea Philocalia e uma sinopse de uma tradução “literal” latina de Jerônimo. Rufino, ao menos, foi honesto em assumir as modificações que fez e deu algumas “justificativas” para tanto em um panfleto chamado “A corrupção das palavras de Orígenes”:

  1. Seria impossível um homem inteligente e erudito como Orígenes se contradizer dentro de um mesmo tratado, às vezes quase em sentenças sucessivas;

  2. Outros escritores de inquestionável ortodoxia tiveram suas palavras adulteradas dos “hereges”, como Clemente de Roma, Clemente de Alexandria, Dionísio de Alexandria;

  3. O próprio Orígenes reclaramara, em uma carta ainda existente, que seu trabalho fora corrompido por heréticos. O ponto em questão nessa carta era a possibilidade de salvação do diabo. Orígenes assevera que jamais teria ensinado isso; mas, durante uma discussão com um herético, tomara ciência que uma versão adulterada de seus textos devia estar circulando.

Jerônimo contra-atacou a defesa de Rufino lembrando que escritores anteriores a ele, como Eusébio e Dídimo , já declaravam que Orígenes ensinara coisas indevidas.

Outro complicador ao entendimento é o fato de que – segundo alguns estudiosos [Malaty, p. 125] – Orígenes não foi um pensador sistemático. Não é possível juntar seus tratados de forma que eles formem um todo coerente. Por exemplo, a crença em criações sucessiva por não conceber uma divindade ociosa também entra, de certa forma, em contradição com uma restauração universal final. Além disso, os trabalhos de Orígenes que categoricamente rejeitam a “transmigração de almas” e interpretações reencarnacionistas do Novo Testamento são os do fim de sua vida, como Contra Celsus e os Comentários. Teria ele adquirido um viés mais “tradicional” conforme envelhecia? Possivelmente ou, como uma análise pormenorizada mostra, o universo multi-eras de Orígenes poderia ser conciliado com leituras ortodoxas da Bíblia, ao passo que reencarnações dentro de uma mesma criação não o são e foram vigorosamente rejeitadas por ele. Prophet defende ter Orígenes se tornado “ortodoxo” por conveniência ao fim da vida, para despistar inimigos (no caso do Comentário de Mateus), o que mela esta análise é que uma obra anterior, cuja redação foi concluída no ambiente mais ameno de Cesareia (a salvo de adversários alexandrinos), e tida por Prophet como reencarnacionista, na verdade não o é: Comentário de João. Orígenes, por sinal, nem sempre levava a ferro e fogo muitas de suas especulações e dava ênfase nisso. Os pontos destoantes dele com a ortodoxia algumas vezes são vistos como um exercício intelectual em expor argumentos pró e contra – opinião de Atanásio – ou que não são dogmas antigos, mas opiniões pessoais sujeitas a discussão – segundo de Jerônimo:

Ele [Orígenes] escreve que “(…) suas ações [das almas] e decisões nesta ou naquela direção é que determinaram seus vários futuros; isto é, se anjos virão a ser homens ou demônios e se demônios se tornaram anjos ou homens“. Então, aduzindo vários argumentos para sustentar sua tese e sustentando que, enquanto não incapaz de virtude, o diabo ainda não escolheu ser virtuoso; ele finalmente raciocina de maneira bem difusa que um anjo, uma alma humana, e um demônio – todos de acordo como ele com a mesma natureza, mas diferentes arbítrios – pode, em razão de grande negligência ou insensatez, ser transformada em feras. (…) Então, para que ele não seja acusado de sustentar junto com Pitágoras a transmigração das almas, ele termina o raciocínio ímpio com o qual tem ferido seu leitor ao dizer: “não se deve pensar que faço destas coisas dogmas, elas são apenas conjecturas expostas para mostrar que não se faz vista grossa a elas totalmente“.

Carta 124 a Ávito.

Em suma, tal “reencarnação entre eras” guarda imensas diferenças tanto com os antigos pitagóricos e platônicos quanto às modernas visões ocidentais do fenômeno. A principal delas é que a volta a algum tipo de forma física não seria possível na realidade tal como a conhecemos, o que explica porque não se deve estranhar quando Orígenes ataca os que associam João Batista a uma reencarnação de Elias. Vale lembrar que o leitor deve se desatrelar do modelo reencarnatório espírita (um para um, progresso constante, várias vezes numa mesma era, passagem obrigatória pelo útero materno, causa e efeito, etc.). O Mediterrâneo oriental era um mosaico de religiões e um verdadeiro laboratório de crenças aos séculos II e III, cujos sistemas teológicos eram muito mais amplos que isto. A própria ressurreição judaico-cristã não deixa de ser, de certa forma, – segundo o estudioso de Josefo, Steve Mason – uma espécie de “reencarnação”. Inclusive a crença da escatologia judaico-cristã em um fim dos tempos, começo de uma nova era (o “mundo vindouro”), transformação do antigo corpo físico em outro “glorificado” para os justos, redenção ou danação para os homens de acordo com o que fizeram na era que finda, etc.; também é uma forma de “reencarnação entre eras” muito similar a do polêmico tratado De Principiis da juventude de Orígenes. A ideia de preexistência, ainda que momentânea, não é tão inédita assim: o deuterocanônico “Sabedoria de Salomão” vv 8:19-20 pode ser interpretado nessa óptica e Agostinho de Hipona também cogitou alguma forma de preexistência, embora não partilhasse da teoria das quedas de Orígenes. Sob estes aspectos e levando em conta a importância que dá ao sacrifício de Cristo, ele é mais ortodoxo que a maioria dos anti-reencarnacionistas imagina ou que os reencarnacionistas gostariam de admitir.

O que torna Orígenes peculiar em De Principiis é que ele não especula apenas três estados do ser (preexistente, o desta era e o da próxima), mas situações dele ao longo de uma quantidade enorme de eras antes e após esta. Aí que a maioria dos reencarnacionistas derrapa: confundem isto com o conceito mais em voga atualmente de reencarnação – na cabeça de alguns o único viável – e não enfatizam o caráter especulativo deste tratado de Orígenes (uma espécie filosofia-ficção semelhante a encontrada em muitos filmes modernos), passando a falsa idéia do que ele propusera era dogma para o próprio e foi e que sua especulação foi consenso até o século VI.
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Orígenes foi rejeitado ou não no II Concílio de Constantinopla (V Concílio Ecumênico)?

Orígenes já havia sido rejeitado várias vezes por diversos teólogos do século IV e começo do V, num conjunto de disputas, condenações e tentativas de defesa que ficou conhecido como “Primeira Crise Origenista” ou “Crises Origenistas do Século IV”. O sínodo de 543 fez tão somente reafirmar isso de uma forma “oficial”, devido ao fato de uma contenda local entre monges palestinos ortodoxos e origenistas ter sido enviada ao arbítrio do imperador. Antes do origenismo, outras dissidências tiveram prioridade como o arianismo, monofisismo, donatismo, docetismo, maniqueísmo, nestorianismo, etc. Ao que tudo indica, as especulações origenistas que no começo eram “matéria de discussão” foram realmente tornadas “dogma” por admiradores de Orígenes, em especial, os evagrianistas. Este teria sido, sim, o sistema condenado na segunda crise origenista. Até 543 há consenso entre os historiadores. O que está em dúvida é se houve uma nova rejeição a Orígenes no Concílio de Constantinopla de 553, ou melhor, o quão de oficial e conciliar tem essa rejeição. Léon Denis escreveu em Cristianismo e Espiritismo,cap I, item IV:

(…)reconhecemos que estes concílios [Calcedônica (451) e Constantinopla(553)] repeliram, não a crença na pluralidade de existências, mas simplesmente a preexistência da alma, tal como ensinava Orígenes, sob esta feição particular: que os homens eram anjos decaídos e que o ponto de partida tinha sido para todos a natureza angélica.

Na realidade, a questão da pluralidade das existências da alma jamais foi resolvida pelos concílios. Permaneceu aberta às resoluções da igreja no futuro, e é esse um ponto que se faz preciso estabelecer.

O que Denis não resolve é como existir reencarnação sem preexistência, nem ele faz alusão às obras anti-reencarnacionistas do teólogo alexandrino. Dá a entender que muitos espíritas não leram o próprio comentário do continuador de Kardec. Ainda assim ele está errado: o objetivo principal do primeiro concílio citado certamente foi combater o nestorianismo.

Para os mais aficcionados por pesquisa, nossas principais fontes históricas para a compreensão da segunda questão origenista são:

  1. Resumo das Controvérsias dos Nestorianos e dos Eutiquianos – do bispo africano Liberato de Cartago. Relata em seus dois últimos capítulos uma manobra política feita pelo bispo origenista Teodoro Ascidas. Sabendo que o núncio papal em Constantinopla, Pelágio – um futuro papa e rival seu na corte –, encaminhara monges palestinos ortodoxos a Justiniano, o que resultou no sínodo de 543, resolveu desviar o foco o imperador para três teólogos caros à Igreja latina: Teodoro de Mopsuéstia, Teodoreto de Cirro e Ibas de Edessa. Os três haviam sido inocentados da acusação de nestorianismo (i.e., de separar radicalmente as naturezas humana e divina de Cristo) pelo Concílio de Calcedônia, cuja decisão era apoiada por Roma. Ascidas convencera Justiniano de que, se condenasse de vez esses três teólogos, poderia obter a simpatia de monofisistas (que declaravam uma única natureza em Cristo – a divina). Um edito imperial foi lançado contra os três, gerando uma controvérsia entre o Oriente e o Ocidente conhecida como a questão dos “Três Capítulos”;

  2. Em defesa dos Três Capítulos – do também bispo africano Facundo de Hermiano. Faz coro como Liberato ao acusar os origenistas da corte de maquinar contra esses três teólogos;

  3. A Vida de São Saba – do monge palestino Cirilo de Citópolis. Parte integrante de um conjunto de hagiografias chamado A Vida dos Monges da Palestina, é a mais detalhada descrição da Segunda Crise Origenista que chegou até nós, tendo um ponto de vista a partir da periferia do império. Ao longo da vida de Saba, os origenistas aparecem pouco, embora Cirilo não deixe de mencionar como, aos poucos, eles se infiltraram e instalaram no mosteiro Nova Laura, fundado por Saba. O confronto entre origenistas e ortodoxos estourou apenas após a morte de Saba, por volta de 532, e os origenistas levaram vantagem e colocaram os ortodoxos na defensiva. O gatilho do sínodo de 543 é um pouco diferente do relatado por Liberato, sem nenhuma alusão a Pelágio, mas concordando que foi solicitação local a Justiniano. Entretanto, o efeito prático do sínodo foi nulo e a década de 40 do século VI marcou o ápice do poder origenista na Palestina. A situação só começou a mudar com o rompimento entre origenistas radicais e moderados, tendo esses últimos retornado para o partido ortodoxo. O V Concílio Ecumênico teve por objetivo resolver de vez a briga, que terminou com a expulsão dos origenistas de Nova Laura em 555, por meio de força militar. Como complemento a esse texto e também de Cirilo de Citópolis, sugiro os capítulos de XI a XV de A Vida de Ciríaco, em que são listadas as diferenças em os monges origenistas e os ortodoxos;

  4. A História Eclesiástica – de Evágrio Escolástico. Bispo de Antioquia que escreveu um conjunto de crônicas da política religiosa imperial de 431 (no segundo concílio de Éfeso) até 594. Seu relato da segunda crise origenista (livro IV, cap. 38) começa pelo fim, já no ano de 553, e corresponde aproximadamente ao último capítulo de A Vida de Saba. Há algumas diferenças: a expulsão dos origenistas de Nova Laura precede o concílio e dá a entender que a questão dos “Três Capítulos” foi exposta só naquele ano. Tal como nos relatos anteriores acerca dos eventos de 543, Evágrio dá como gatilho para a ação de Justiniano a requisição de clérigos ortodoxos palestinos e defende a tese da intriga origenista contra os Três Capítulos como uma espécie de ação diversiva. De certa forma, este autor compacta as duas etapas da crise em uma só.

Nas versões latinas das atas de Constantinopla II que chegaram até nós, são praticamente só relatadas as questões dos “Três Capítulos” e quase nenhuma menção é feita a Orígenes ou ao origenismo. Somente no item XI do Cânon aparece uma citação textual de seu nome e de alguns seguidores, seguida por uma condenação deles. Não se sabe se os quinze anátemas de 543 (encontrados apenas no século XVII) tiveram participação nas atas ou se foram as opiniões do teólogo quanto a natureza de Cristo. Esta página de Early Church Fathers apresenta argumentos pró e contra o uso do material do sínodo em 553. De qualquer forma, os sucessores de Vigílio (Pelágio I e II, Gregório), ao tratarem do quinto concílio, falaram apenas dos “Três Capítulos” e agiram como se não soubessem da condenação (segundo a Catholic Encyclopedia). Há a possibilidade de os papas não terem tido nenhum interesse na questão origenista, pois, como relatou [Alberigo] o origenismo era fraco no ocidente. É possível também que Justiniano, como já obtivera dez anos antes a corroboração dos cinco patriarcas (com o papa incluído) para o sínodo local, tenha apenas quisto uma nova confirmação que tivesse mais “status” que a anterior. Se assim foi, estaria explicado por que o origenismo pouco espaço tomou nas atas. Vale lembrar que se Teodora teve alguma coisa a ver com esta confusão toda, deve ter sido apenas na memória do Imperador, pois ela morrera em 548.
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A preexistência das almas foi, então, anatematizada?

Os anátemas contra Orígenes – tanto os do imperador quanto os do sínodo de 543 – revelam que a questão origenista transcendia em muito a simples questão da preexistência. Em geral só é citado o primeiro anátema de 543:

I – Se algum crer na fabulosa preexistência das almas e na monstruosa reabilitação das mesmas, que é associada a ela, seja anátema.

Mas uma análise dos seguintes chama a atenção:

III – Se alguém disser que o sol, a lua e as estrelas pertencem ao conjunto dos seres racionais a que se tornaram o que eles hoje são por se voltarem para o mal, seja anátema.

IV – Se alguém disser que os seres racionais nos quais o amor a Deus se arrefeceu, se ocultaram dentro de corpos grosseiros como são os nossos, e foram em consequência chamados homens, ao passo que aqueles que atingiram o último grau do mal tiveram como partilha corpos frios e tenebrosos, tornando-se o que chamamos demônios e espíritos maus, seja anátema.

Dos anátemas de Justiniano:

V – Se alguém disser ou pensar que, na ressurreição, os corpos humanos ressurgirão numa forma esférica e distinta da atual, seja anátema.(*)

VII – Se alguém disser ou pensar que Cristo, o Senhor, será, em algum tempo futuro, crucificado por demônios assim como foi por homens, seja anátema.

VIII – Se alguém disser ou pensar que o poder de Deus é limitado e que ele criou apenas aquilo que foi capaz de alcançar, seja anátema.

(*)A tese desse anátema não pode ser encontrada nos escritos que sobraram de Orígenes, estando em alguma obra perdida ou foi cunhada por origenistas posteriores.

Apesar de alguma semelhança aparente com a doutrina espírita, as diferenças são imensas. Sou cético se a maioria dos espíritas conhece esta parte mais “heterodoxa” do origenismo – talvez nem saibam do que falam – e duvido muito se os que lamentam o episódio de 543 o aceitariam integralmente.
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Teodora matou 500 prostitutas?

Não há nenhum documento histórico que comprove isto. Mesmo o mais virulento cronista da corte bizantina, Procópio, relata apenas um encarceramento. E ainda que houvesse ocorrido tal chacina, há evidência suficientes para que o verdadeiro gatilho da segunda crise origenista tenha sido as dissensões ocorridas nos mosteiros sírio-palestinos. De toda a sorte de crimes que a imperatriz cometeu, foram logo escolher um forjado. Como o ônus da prova recai sobre quem propõe e Procópio foi o único nome apresentado, cabem aos proponentes arrumar alguma fonte alternativa em outro cronistas bizantino. Se ela existir. [topo]

Afinal, qual o papel de Orígenes nessa história toda?

O de um mito. Ele representa – para os espiritualistas – “aquilo que fomos um dia, nos desviamos e almejamos voltar a ser”. Isto, na verdade se encaixa na definição de qualquer mito. O rei Davi, que unificou as tribos e fez de Israel uma nação imperialista; Solano Lopez, o déspota esclarecido que fez o Paraguai peitar os interesses ingleses e seus lacaios brasileiros; Duque de Caxias, militar modelo e pacificador do Brasil. Todas estas figuras realmente existiram, mas não eram tidos por seus contemporâneos pelas imagens que têm hoje. Escavações comprovam que Davi deve ter sido apenas um monarca local, sem tanta pompa e glória. Francisco Daratioto, em seu livro Maldita Guerra, mostra que Solano Lopez era tido pelos paraguaios como um tiranete que levou sua pátria à uma aventura desastrosa. A construção do “herói nacional” se deu ao longo do século XX, em especial durante a ditadura Stroessnser e, deste lado da fronteira, uma espécie de desforrismo contra a ditadura militar pintou o Brasil como marionete inglesa. Caxias não era tão bem visto assim na República Velha por ter sido monarquista. Ele sempre teve prestígio militar, sem dúvida, mas este não era maior do que o dos demais chefes das campanhas platinas, como Osório. Teve seu valor inflacionado grandemente pela ditadura Vargas.

Nesse aspecto, Orígenes se tornou um mito espiritualista. O prolífico teólogo alexandrino – cujos escritos despertavam igual número de paixões pró e contra – de fato existiu. O mártir intelectual que cria numa reencarnação aos moldes modernos, era uma unanimidade até o século VI e foi perseguido pelos delírios de um casal de monarcas – em especial a esposa -, é uma construção dos tempos atuais. Uma “história” personalista da cristandade que tira o foco do que interessaria: o que realmente os pequenos grupos cristãos originais discutiam entre si? Será que o sacrifício da arena contaria com tantos adeptos caso eles não vissem nisso uma porta da a redenção imediata?
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Não estás fazendo “tempestade em copo d’água”?

Não, por um simples motivo: as táticas usadas na criação de mitos. Seleção de fatos e escritos, aumento da importância de alguns aspectos em detrimento a outros, teorias conspiratórias, erros biográficos, quando não revisionismo puro e simples, são coisas que deveriam preocupar qualquer espiritualista que preze algum respeito. Citei vários autores como Severino Celestino da Silva, Elizabeth Clare Prophet, Noel Langley, José Reis Chaves, Kersten e te pergunto: posso levar a sério alguns desses estudos? Definitivamente, NÃO!!! Devo acusá-los de má-fé? Também não, do contrário o ônus da prova seria meu e poderia incorrer em calúnia. A interpretação mais leve que posso fazer quanto a eles é que não leram em os escritos de Orígenes e pegaram citações de outros autores (ou uns dos outros) sem fazer a devida verificação. Nesse caso, agiram de modo descuidado com seus leitores e seus “trabalhos acadêmicos” não passam de “recorte e cole” feito por estudantes fundamentais. Ao encontrar alguma citação que apoiasse seus pontos de vista, suspenderam todo o senso crítico. É a emoção humana adentrando na “fé racionada”. Simplificações exageradas também ocorrem por parte de anti-reencarnacionistas como D.Estevão Bettencourt, que desconsidera o aspecto de múltiplas eras de Orígenes, e há “tábuas de salvação”, como a História da Filosofia feita por Giovanni Reale e Dario Antiseri, que não apela para teorias conspiratórias e situa corretamente o pensamento de Orígenes no conceito de múltiplas eras.
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Liberato de Cartago – Resumo da Controvérsia dos Nestorianos e dos Eutiquianos

Liberato de Cartago – arcebispo norte-africano, que fez as vezes de embaixador para as dioceses locais durante o governo de Justiniano, nos traz um enfoque tomado a partir das personagens que viviam na corte sobre a primeira condenação oficial a Orígenes e o início da questão dos Três Capítulos – que seria um dos motivos para a convocação famigerado II Concílio de Constantinopla em 553, erroneamente execrado pelos espíritas. Este texto foi traduzido de Patrologia Latina, Migne, Vol. 68, cols. 969 – 1052. Para uma transcrição do original latino, clique aqui.

Capítulo XXIII

Então, depois que Teodósio Alexandrino foi enviado para o exílio, um certo Paulo, principal prior dos monges de Tabenensio, é ordenado bispo para a sé de Alexandria, pela intervenção do aprocrisário (1) Romano Pelágio, sendo ele totalmente ortodoxo e seguidor do sínodo de Calcedônia. Foi ordenado por Mena de Constantinopla, estando presentes ao mesmo [evento] Pelágio, em nome de Vigílio, e aprocrisários de Efrém de Antioquia, e aprocrisários de Pedro de Jerusalém.

E, também, Severo de Antioquia fora condenado e Antimo de Constantinopla o fora por Agapeto, o papa romano, e por Mena de Constantinopla, em razão de panfletos contra eles dados ao imperador Justiniano pelos dirigentes dos mosteiros da Primeira e Segunda Síria e os dos mosteiros de Jerusalém e Eremo; então dessa forma a unidade das Igrejas é alcançada ao décimo ano do glorioso reinado de Justiniano Augusto.

Esse Paulo era desprezado em Constantinopla, diz-se, por causa de alguns monges seus (2), e viera a Constantinopla a fim de se dirigir ao imperador. Como o comando do trono [episcopal] achava-se vazio, ele recebeu por meio do diácono Pelágio o episcopado de Alexandria; e aceito pelo imperador – o responsável sobre a ordenação dos chefes e tribunos -, para que afastasse os heréticos e ordenasse ortodoxos no lugar deles; por meio daqueles certamente o povo era fortalecido.(3)

Ele, indo para Alexandria com seu temor e seu zelo, levara todos os cidadãos e todos os mosteiros a adotar o sínodo de Calcedônia, exceto se por uma intervenção tal do diabo uma pendenga aparecesse.

Quando pensou o bispo Paulo em expulsar o comandante militar Elias; Psoio – um certo diácono, administrador eclesiástico e amigo de Elias, usando velocíssimos emissários a pé firme de correspondências, que os egípcios chamam de “símacos”, escreveu a Elias sobre todas as atividades de Paulo.

Porém veio Paulo a descobrir as cartas dele escritas em egípcio [copta] (4) e as ler: e temendo o que acontecera a Protério (5), ficou preocupado com o ocorrido, e pôs-se a forçar Psoio a dar prontas explicações à Igreja: levou-o à Justiça e relatou ao imperador sobre o mesmo.

Pela mesma época, Ródão era o governador em Alexandria, que o tomou sob guarda até ser dada instrução pelo imperador, tendo aceitado suborno, por ideia de certo prior civitatis (6), chamado Arsênio, sem o conhecimento do bispo (diz-se), levou-o à morte por meio de violenta tortura que durou a noite inteira.

Interpelando os filhos e parentes dele (7) ao imperador, sugeriram-lhe por qual rigor a dívida da morte de seu pai seria paga. Concordando o imperador com isso, chamou Libério e fez dele governador, enviando-o para Alexandria a fim de investigar o caso. Assim que chegou a tal cidade, ordenou que Ródão viesse a sua presença e indagou-lhe a respeito de que modo teria matado o diácono. Ele respondeu que aquilo fora feito por ordem do bispo: dizia ter consigo uma delegação do imperador: que ele cumprisse de todas as formas qualquer coisa que o bispo mandasse.

Porém com a negativa do bispo Paulo, e desconhecendo-se quem discordasse, o prior civitatis Arsênio foi considerado o mentor do homicídio (8), sendo condenado à morte.

Posteriormente, o bispo Paulo foi encaminhado para o exílio em Gaza, Ródão foi enviado para Constantinopla com cópia das atas do processo: cópia essa que foi lida dentro do palácio para o imperador (9), que ordenou que fosse levado pelo carrasco (10) e executado fora da cidadela real (11).

E após isso, o imperador enviou Pelágio – diácono e aprocrisário da primeira Sé de Roma – com clérigos seus, aos quais instrui para, junto com Efrém – também bispo metropolitano-, e Pedro de Jerusalém, e Hipácio de Éfeso irem para Gaza, e tomassem o pálio do bispo Paulo e o destituíssem.

Então Pelágio partiu para Antioquia e de lá para Jerusalém, chegou a Gaza com memoráveis patriarcas e certo número de bispos. E tirando o pálio de Paulo, o depuseram e no lugar dele ordenaram Zoilo, que o imperador, mais tarde, depôs em Constantinopla para ordenar Apolinário, que é o atual patriarca da Igreja de Alexandria.

Mas ao retornar a Constantinopla, monges também vindos de Jerusalém, pelos quais Pelágio havia cruzado (12) a caminho de Gaza, vieram com ele em comitiva portando capítulos de uma coletânea de livros de Orígenes, desejosos em ter uma audiência com o imperador para que Orígenes fosse condenado com tais capítulos.

Então, Pelágio, que tinha uma rivalidade com Teodoro – o bispo de Cesareia da Capadócia (13) – desejando que eles causassem prejuízos a ele (que seria um defensor de Orígenes) solicitou ao imperador, aliado ao arcebispo de Constantinopla Mena, que mandasse ser feito o que os monges demandavam, a fim de que Orígenes fosse condenado e os próprios ensinos de tais capítulos. Contente por conduzir tais questões jurídicas, o imperador facilmente atendeu: por sua ordem é feito um decreto sobre Orígenes e a condenação anatematizou aqueles capítulos, ao qual assinaram, junto com o arcebispo Mena, os bispos presentes em Constantinopla.

Em seguida, ela foi encaminhada para o bispo de Roma, Vigílio, Zoilo de Alexandria, Efrém de Antioquia e Pedro de Jerusalém, que concordaram com ela e assinaram, estava morto o Orígenes condenado, que quando vivo já fora condenado anteriormente. (14)

Capítulo XXIV

E tornado público o ataque aos adversários da Igreja, assim como a condenação póstuma, Teodoro de Cesaréia da Capadócia – bispo prezado e confidente do casal imperial, membro da seita dos acéfalos, além de ardoroso defensor de Orígenes e rival de Pelágio – soube que Orígenes fora condenado. Condoído pela condenação dele, ficou empenhado, para a inquietação da Igreja, em causar uma condenação a Teodoro de Mopsuestia (15); pelo fato de que Teodoro teria publicado muitos pequenos tratados contra Orígenes, era considerado odioso e repreensível pelos origenistas (16); e principalmente porque o sínodo de Calcedônia, como se constata, reconheceu suas glórias em três cartas: Teodoro conseguiu que a condenação dele fosse lembrada por meio de grande tramoia.

Com o tratado do imperador contra os acéfalos, em defesa do sínodo de Calcedônia, reuniu-se o próprio Teodoro da Capadócia junto com seus seguidores, que beneficiavam (17) os acéfalos sob o nome católico. Com o favorecimento de Teodora Augusta (18), foi sugerido ao imperador que ele não tinha a obrigação de empreender o trabalho de escrever [um tratado], quando podia lucrar se trouxesse todos os acéfalos para sua comunhão. “Já que eles, diz-se, por causa disto sentem-se ofendidos com o sínodo de Calcedônia, que reconheceu as glórias do bispo Teodoro de Mopsuéstia, e a carta de Iba (19), que são tidos por todos como nestorianos, o próprio juízo deles quanto ao sínodo o terá considerado ortodoxo. Nesse caso, se Teodoro, junto com suas palavras, e essa carta forem anatematizados, o sínodo, assim revisado e expurgado, será aceito através de todos eles e entre eles todos. Por eles, permita vossa piedade trabalhar pela união da Igreja Católica, com o contentamento da Igreja Universal, a glória de vossa clemência será eterna“.

Ao escutar (20) isso, o imperador, e sem perceber nem um pouco da artimanha das artimanhas, aceitou com prazer a sugestão deles, e isso ele próprio prometeu executar prontamente.

E também lhe pediram mais uma vez por fraude ardilosa, para que fizesse um decreto em condenação aos três capítulos: no qual seu decreto irá expor e manifestar a todo mundo. “Enquanto enrubescer o imperador em se retificar, uma decisão irrevogável ele tomou; certamente sabiam que o imperador, com o escândalo (21) que surgia, podia rever sua opinião com a volubilidade costumeira e levar a si mesmo ao perigo.”

O imperador concordou com eles, e se comprometeu a implantar isso com prazer, e abandonando seu entusiasmo pela obra [contra os acéfalos], fez um tratado apenas em condenação dos três capítulos, em vez dos nossos delitos, [o que foi] notoriosíssimo a todos nós.

Certamente as demais coisas que se seguiram com relação aos bispos e à Igreja Católica foram feitas pelo mesmo príncipe, de forma que os bispos que concordaram com o tarefa de condenar os três capítulos foram enriquecidos, os que não concordaram, ou foram depostos e enviados ao exílio, ou alguns, que se esconderam fugindo, empreenderam na adversidade uma saída feliz, considerando que são [essas coisas] conhecimento de todos, acho que agora cabe a mim silenciar.

Acredito que isso esteja claro a todos, que esse escândalo foi introduzido na Igreja por meio do diácono Pelágio e do bispo Teodoro de Cesareia da Capadócia: ainda mais que o próprio Teodoro conclamou publicamente a si e a Pelágio para provocar os vivos, através dos quais ele colocou esse escândalo no mundo.

Notas:

(1) Título eclesiástico utilizado no baixo-império e início da Idade Média. Equivaleria ao atual “núncio”, uma espécie de embaixador papal. Esta pessoa em questão se tornará o Papa Pelágio I.

(2) Em nota, Migne sugere que isso poderia se dever, em parte, a algumas simpatias a Orígenes e Dióscoro (origenista do mosteiro de Nitria e personagem da primeira crise) encontrada entre os monges de Tabenensio.

(3) “o povo era fortalecido” – Migne sugere que este trecho esteja corrompido (de fato, não faz sentido um ortodoxo elogiar a ação de hereges sobre o povo) e propõe a leitura: “hoeretici invalescebant”. Podemos, também, levar em consideração que os pronomes ille/illa/illo começaram a ficar intercambiáveis com hic/haec/hoc no latim medieval (Sidwell, p. 365, G.11), o que justificaria a tradução “por meio destes…”.

(4) Psoio teria esquecido importante detalhe: o patriarca era seu conterrâneo e entendia o idioma local, coisa que nem sempre ocorria com os de origem grega.

(5) Protério foi o patriarca de Alexandria imposto por Calcedônia. Sofreu forte oposição dos partidários do monofisismo, que elegeram um bispo alternativo, e acabou assassinado.

(6) Prior Civitatis – ao pé da letra, “principal dos cidadãos”.

(7) [Procópio/Niebuhr, p. 463] traz a leitura variante “cujus”.

(8) “prior ille civitatis Arsenius, homicidii illius auctor inventus” – O uso dos demonstrativos ille, illus seria perfeitamente dispensável aqui. Talvez estivesse para ênfase ou fazendo às vezes de artigo definido, algo comum no baixo-latim.

(9) Princeps e imperator não significam, respectivamente, “príncipe” e “imperador”, apesar de terem dado rigem a estas palavras neolatinas. O primeiro termo era o título “civil” dos antigos imperadores romanos (Primeiro [Cidadão]), que acumulavam também o posto de imperator: chefe militar. Aqui ambas são indistintamente traduzidas por “imperador”.

(10) Scurio/scurro, scurronis – palavra não constante em dicionários de latim clássico, provavelmente só existente em latim eclesiástico ou medieval. Seu sentido como carnifex (carrasco) consta no Hierolexicon de Domenico Carlo Magri e aqui usado. Migne também assinala uma leitura variante encontrada no Codex Tallerii :“obscurrone”, que Magri trata como uma variante. Provavelmente foi uma fusão com a preposição “ab”, seguida com uma confusão da letra “a” com “o”.

(11) Procópio de Cesareia dá um relato ligeiramente diferente deste episódio em A História Secreta, cap. XXVII. Segundo ele, Paulo foi realmente o mandante do assassinato de Psoio, sob influência de Arsênio. Ródão não teria sido preso e conduzido à capital imperial, mas ido espontaneamente para lá com treze cartas do imperador ordenando-o obedecer a Paulo. De nada adiantou: foi decapitado e Arsênio crucificado. Este último também aparece em Vida de Saba, cap. LXX, como um indivíduo de caráter questionável, assim como em História Secreta.

(12) “transitum habuit” um pretérito mais-que-perfeito composto é utilizado nesta passagem. Apesar de também aparecer em autores do período clássico, se torna mais comum no baixo-latim. “in Gazam” um exemplo ótimo da preposição latina in sendo usada para expressar uma ideia de direção quando rege o caso acusativo. É parecido com o expresso na Vulgata em At 8:26 “quae descendit ab Ierusalem in Gazam” (“que descia de Jerusalém a Gaza”). Ou você ainda acredita nas traduções latinas da Vulgata feita por autores espíritas em Ex 20:5 e 34:7?

(13) – Também conhecido como Teodoro Ascidas (ou Askidas). É o mesmo indivíduo que Cirilo de Citópolis apresenta no capítulo LXXXIII de A Vida de Saba.

(14) Provavelmente, refere-se ao episódio da execração de Orígenes pelo bispo de Alexandria, Demétrio, devido ao fato de ele ter sido ordenado presbítero na Palestina sem sua autorização. Demétrio pode ter sido movido por pura inveja e utilizou a castração a que Orígenes se submeteu voluntariamente na juventude em suas acusações.

(15) Este Teodoro (350-428) foi bispo da localidade de Mopsuéstia, na província de Cilícia, pertencente ao sul da Turquia atual. Foi prolífico escritor e um típico representante da escola exegética de Antioquia, caracterizada por sua oposição ao alegorismo de Alexandria e estabelecer a plenitude da natureza humana de Cristo e sua indiferença com a divina. Permaneceu tido como ortodoxo durante toda a sua vida e só após a erupção da controvérsia nestoriana seus escritos foram considerados heréticos pelos monofisistas. Por outro lado, foi reabilitado pelo partido ortodoxo no Concílio de Calcedônia. Teodoro de Mopsuéstia era também um universalista, mas por um caminho bem diferente do de Orígenes, não dando tanta ênfase ao livre-arbítrio para admitir um direcionamento de Deus, por meio de seus castigos, rumo à santidade. Um extrato seu obtido indiretamente em [Ballou, cap. VIII, p. 253-4] nos informa:

Eles, que escolheram o bem, serão, no futuro, abençoados e honrados. Mas os iníquos, que cometeram o mal por todo o período de suas vidas, serão punidos até aprenderem que, por continuarem no pecado, apenas continuam na miséria. E quando, por esse meio, forem trazidos ao temor a Deus e a estimá-lo com boa vontade, obterão o gozo de sua graça. Pois ele nunca teria dito “Até que tenhas pagado o último centavo”(Mt 5:26) a não ser que pudéssemos ser libertados do sofrimento, depois de termos sofrido adequadamente pelo pecado; nem teria dito “Bater-se-á nele com muitas chibatadas”, e ainda: “Bater-se-á nele com poucas chibatadas” (Lc 12:47-8) a não ser que as punições a serem suportadas pelo pecado tenham um término”.

Fonte [desfeitas as abreviaturas]: Bibliotheca Orientalis Clementino-Vaticana, Giuseppe Simone Assemani, tomo III, parte I, p.323

Outra fonte fornecida pelo mesmo livro e, agora, confirmada independentemente é a entrada número 177 da Bibliotheca de Fócio (Contra aqueles que dizem que os homens pecam por natureza e não por intenção):

Por outro lado, isso não é sempre o caso, mas ele nos aparenta, em muitos lugares, enredar na heresia nestoriana e faz eco à de Orígenes, ao menos no que diz respeito ao fim da punição.

Pode-se intuir que Teodoro de Mopsuéstia estaria comprando briga com contemporâneos seus com ideias similares as de Agostinho de Hipona.

Quanto a Hoseas Ballou, ele foi um pastor da “Igreja Universalista” e escreveu Anciente History of Universalism para mostrar que, no começo do cristianismo, a danação eterna não era crença unânime. Quando se dedica a narrar os fatos do século VI, usa largamente Cirilo de Citópolis, porém inverte o sentido do tom: enaltece ascensão origenista e lamenta sua queda.

(16) A maior parte da obra de Teodoro de Mopsuéstia se perdeu. Um de seus trabalhos antiorigenistas é conhecido apenas através de breve alusão feita por Facundo no seu “Em Defesa dos Três Capítulos”, (livro III, cap. IV): “(…) Idem Theodorus in Libro ‘de alegoria et historia’ quem contra Origenem scripsit (unde et odium Origenorum incurrit)”. Disponível em Patrologia Latina, vol. 67, col. 602.

(17) O Codex Tellerii possui a leitura favebant – favoreciam, promoviam.

(18) A imperatriz Teodora ajudando um origenista! Agora você já viu de tudo e pode desencarnar.

(19) A Carta de Iba de Edessa a Mari, junto com as condenações de Teodoro de Mopsuéstia e Teodoreto de Ciro, compõem os famosos “Três Capítulos”.

(20) “Audiens” o uso do particípio presente para representar uma circunstância de atos passados, algo mais comum no baixo-latim. Ver a Vulgata: “sicut enim homo proficiscens vocavit servos suos” (Mt 25:14).

(21) “Escândalo”, aqui, tem o sentido de algo que induz ao erro, uma tentação. Ver Mt 5:29.

Fontes auxiliares

– Ballou, Hoseas, The Ancient History of Universalism. Ed. Z. Baker, 2ª ed., 1842.

– Procópio de Cesareia, parte II, vol. III, Corpus Scriptorum Historiae Byzantinae, ed. Niebuhr, Barthol Georg; Ed. Weber, Bonn, 1838

– Sidwell, Keith, Reading Medieval Latin, Cambridge, 2005.

Liberato de Cartago – Breviarium Causae Nestorianorum et Eutychianorum

Texto em latim extraído de Patrologia Latina, Migne, Vol. 68

Capítulo XXIII

Postquam ergo Theodosius Alexandrinus in exsilium missus est, Paulus quidam, unus abbatum Tabennensium monachorum, ad Alexandriam aedem ordinatur episcopus, Pelagio interveniente apocrisiario Romano, plane orthodoxus, suspiciens Chalcedonensem synodum. Ordinatus est a Menna Constantinopoli, praesente eodem Pelagio responsario Vigilii, et apocrisiariis Euphraemii Antiocheni, et apocrisiariis Petri Hierosolymorum.

Severus autem Antiochenus jam fuerat condemnatus, et Antimus Constantinopolitanus ab Agapeto papa Romano, et Menna Constantinopolitano, ex libellis datis adversis eos imperatori Justiniano a praesullibus monasteriorum, praesulibusque primae ac secundae Syriae, et praesulibus monasteriorum Hierosolymorum et Eremi; hoc ergo modo unitas facta est Ecclesiarum, anno decimo imperii gloriosi Justiniani Augusti.

Iste Paulus spretus erat Constantinopoli, ut dicitur, ab aliquibus monaebis suis, et venerat Constantinopolim pro se agere apud imperatorem. Qui divino nutu cathedram vacantem inveniens, meruit per Pelagium diaconum Alexandriae episcopatum; accepitque ab imperatore potestatem super ordinationem ducum et tribunorum, ut removeret haereticos, et pro eis orthodoxos ordinaret; per illos enim populi invalescebant.

Is Alexandriam descendens timore sui suaque industria omnem civitatem et omnia monasteria adduxerat suscipere Chalcedonensem synodum, nisi interventu diaboli talis emergeret causa.

Cogitante Paulo episcopo removere Eliam magistrum militum, Psoius quidam diaconus et oeconomus Ecclesiae, amicus Eliae, per portitores litterarum velocissimos pedestres, quos Aegptii Symmachos vocant, omnia molimina Pauli Eliae scribebat.

Contigit autem Paulum invenire literas ejus Aegyptiaco scriptas, et legere: et timens quod de Proterio contigerat, sollicitus de eo factus est, et coepit Psoium compellere facere rationes Ecclesiae: quem tradidit judici, et imperatori de eo retulit.

Eo tempore apud Alexandriam Rhodo erat augustalis, qui eum accipiens custodiendum usque ad imperatoris praeceptum, consilio cujusdam prioris civitatis, nomine Arsenii, acceptis muneribus, inscio, ut fertur, episcopo, clam nocte totis viribus eum magno cruciatu occidit.

Hujus filii et affines imperatorem interpellantes, suggesserunt ei qua vi eorum parens debitum mortis persolvisset. Quod audiens imperator, vocavit Liberium, et fecit augustalem, missitque eum Alexandriam inquirere causam. Ad quam urbem Liberius cum venisset, Rhodonem ad se venire jussit, et ab eo requirebat quomodo occidisset diaconum. Ille vero respondit jussione episcopi factum fuisse: habere se imperatoris delegationem aiebat, ut quidquid juberet episcopus, modis omnibus impleret.

Sed negante Paulo episcopo, et se nescire clamitante, prior ille civitatis Arsenius, homicidii illius auctor inventus, morte multatus est.

Porro episcopo Paulo Gazam in exsilium misso, Rhodo cum gestis de eo actis directus est Constantinopolim: cujus gesta cum intra palatium legerentur principi, jussit eum ab scurrone duci et foras regiam civitatem occidi.

Et post haec misit imperator Pelagium diaconum et apocrisarium primae sedis Romanae Antiocham cum sacris sius, quibus praecepit ut cum Euphraemio ejusdem urbis episcopo, et Petrus Hierosolymita, et Hypatius Ephesinus venirent Gazam, et Paulo episcopo pallium auferrent, eumque deponerent.

Pelagius ergo profectus Antiocham, et inde Hierosolymam, cum memoratis patriarchis et aliquantis episcopois venit Gazam. Et auferente Paulo Pallium deposuerunt eum, et ordinaverunt pro illo Zoilum, quem postea apud Constantinopolim imperator deposuit, et Apolinarem ordinavit, qui nunc est praesul ipsius Alexandrinae Ecclesiae.

Sed redeunte Pelagio Constantinopolim, monachi quidam ab Hierosolymis, per quos Pelagius in Gazam transitum habuit, venerunt cum eo ad comitatum, portantes capitula de libris Origenis excerpta, volentes agere apud imperatorem, ut Origenes damnaretur cum illis capitulis.

Igitur Pelagius aemulus existens Theodoro Caesareae Cappadiocia Episcopo, volens ei nocere eo quod esset Origenis defensor, una cum Menna archiepiscopo Constantinopolitano, flagitabat a principe ut juberet fieri, quod illi monachi supplicabant, ut Origenes damnaretur, ipsaque capitula talia docentia. Annuit imperator facillime, gaudens se de talibus causis judicium ferre: jubente eo dictata est in Origenem et illa capitula anathematis damnatio, quam subscripserunt, una cum Menna archiepiscopo, episcopi apud Constantinopolim reperti.

Deinde directa est Vigilio Romano episcopo, Zóilo Alexandrino, Euphraemio Antiocheno, et Petro Hierosolymitano, quibus eam accipientibus et subscribentibus, Orígenes damnatus est mortuus, qui vivens olim fuerat ante damnatus.

Capítulo XXIV

Et reserato aditu adversariis Ecclesiae, ut mortuus damnaretur, Theodorus Caesareae Cappadociae episcopus dilectus, et familiaris principum, secta Acephalus, Origenis autem defensor acerrimus, et Pelagio aemulus, cognoscens Origenem fuisse damnatum, dolore damnationis ejus, ad Ecclesiae conturbationem, damnationem molitus est in Theodorum Mosuestenum; eo quod Theodorus multa opuscula edidisset contra Origenem, exosusque et accusabiliis haberetur ab Origenistis; et maxime quod synodus Chalcedonensis, sicut probatur, laudes ejus susceperit in tribus epistolis: hujus damnationem memoratus Theodorus tali machinatione perfecit.

Scribente principe contra Acephalos, in defensionem synodi Chalcedonensis, accedens idem Theodorus Cappadox una cum suis satellitibus, qui sub nomine catholico Acephalis studebant, cum Theodorae Augustae favore, imperatori suggesti, scribendi laborem non eum debere pati, quando compendio posset Acephalos omnes ad suam communionem adducere: “Siquidem illi , inquit, hoc offenduntur in synodo Chalcedonensi, quod laudes susceperit Theodori Mopsuesteni episcopi, epistolamque Ibae, quae per omnia Nestoriana esse cognoscitur, synodus ipsa judicio suo pronuntiaverit orthodoxam. Quod si Theodorus cum dictus suis et hac epistola anathematizetur, synodus, tanquam retractata atque purgata, suscipietur ab eis per omnia et in omnibus: eis sine pietatis vestrae labore Ecclesiae catholicae sociatis, gaudente universali Ecclesia, clementiae vestrae laus erit sempiterna.”

Haec audiens imperator, et dolum dolosorum minime prospiciens, suggestionem eorum libenter accepit, et hoc se facere promptissime spopondit.

Sed rursus illi callida fraude rogaverunt eum, ut dictaret librum in damnationem trium capitulorum: quo libro ejus edito, et toti mundo manifestato, “dum emendare princeps erubescit, irrevocabilis causa fieret; sciebant enim principem solita levitate, scandalo emergente, sentenciam suam posse corrigere, seseque ad periculum pervenire.”

Annuit eis princeps, et hoc se laetus implere promisit, et relinquens operis sui studium, unum in damnationem trium capitulorum condidit librum, pro delictis nostris, nobis omnibus notissimum.

Caetera vero quae subsequenter in episcopis et catholica Ecclesia ab eodem principe facta sunt, quomodo consentientes episcopi in trium damnationem capitulorum muneribus ditabantur, vel non consentientes depositi in exsilium missi sunt, vel aliqui fuga latinantes in angustiis felicem exitum susceperunt, quoniam nota sunt omnibus, puto nunc a me silenda.

Illud liquere omnibus credo, per Pelagium diaconum, et Theodorum Caesareae Cappadociae episcopum, hoc scandalum in Ecclesiam fuisse ingressum: quod etiam publice ipse Theodorus clamavit se et Pelagium vivos incendendos, per quos hoc scandalum introivit in mundum.