São Gregório de Nissa era reencarnacionista e fazia parte dos teólogos cabalistas que afirmavam que o maior argumento a favor da reencarnação era a justiça de Deus.(14)
Um texto dele: ”Há necessidade de natureza para a alma imortal ser curada e purificada, e se ela não o for na sua vida terrestre, a cura se dará através de vidas futuras e subsequentes.”(15)
José Reis Chaves, em A Reencarnação na Bíblia e na Ciência, 7ª ed., ebm, cap VI;
notas de rodapé:
(14) A Reencarnação e a Lei do Carma, pág 47, William Walker Atkinson, São Paulo, SP.
(15) Reencarnação, pág. 153, John Van Auken, Editora Record, Rio de Janeiro, RJ, 1989; e O Mistério do Eterno Retorno, pág. 123, Jean Prieur, Editora Best Seller, São Paulo, SP.
Bem, estamos diante de mais uma “citação de citação” patrística sem referência exata da fonte. Diz-se o nome do autor, mas nada sobre a obra de onde ela saiu. Chaves até acerta ao afirmar (um pouco antes) que Gregório de Nissa não cria na “eternidade do inferno” e, junto a Orígenes, foi um dos poucos universalistas da patrística:
Nós certamente cremos, tanto por causa da opinião prevalecente e ainda mais do ensinamento da Escritura, que existe um outro mundo de seres além deste, despojado de corpos tais como são os nossos, que se opõem a tudo que é bom e são capazes de machucar as vidas dos homens, tendo por um ato de vontade se desviado da nobre visão e por sua revolta contra a bondade, personificaram o princípio oposto em si mesmos; e esse mundo é o que, dizem alguns, o Apóstolo acresce ao número de “coisas sob a terra”, significando em tal passagem que quando o mal for algum dia aniquilado nos longos ciclos das eras, nada será deixado fora do mundo de bondade, mas que mesmo aqueles maus espíritos se erguerão em harmonia com a confissão da Soberania de Cristo.
Sobre a alma e a Ressurreição.
Porém, ao contrário de Orígenes, ele limitava a existência humana a duas claras etapas:
A primeira das ordens de Deus atesta a verdade disto; a tal que, nominalmente, deu ao homem irrestrito gozo de todas as bênçãos do Paraíso, proibindo apenas o que fosse uma mistura do bom e mal e, assim, composto de opostos, mas fazendo da morte a pena por transgredir esse detalhe. Porém o homem, agindo livremente por um impulso voluntário, abandonou o quinhão que não estava misturado com o mal e atirou-se no que era uma mistura de opostos. Embora a Divina Providência não tenha deixado aquela nossa imprudência sem um corretivo. De fato a morte, como a pena prescrita para a quebra da lei, necessariamente caiu sobre seus transgressores; mas Deus dividiu a vida do homem em duas partes, nominalmente, esta vida presente e a “fora do corpo” do além-mundo, e colocou sobre a primeira um limite do mais breve tempo possível, enquanto prolongou a outra para a eternidade; e em Seu amor pelo homem deu-lhe sua escolha, de ter uma ou outra dessas coisas, bom ou mal, digo, qual das partes ele preferia: ou esta curta e transitória ou aquela de eras infindáveis, cujo limite é a eternidade. (…)
Quando, então, a humanidade tiver alcançado a que pertence, este movimento contínuo de produção cessará totalmente; terá tocado a meta destinada e uma nova ordem de coisas bem distinta da presente precessão de nascimentos e morte que conduz a vida da humanidade. Se não há nascimento, segue necessariamente que não haverá nada para morrer. Composição deve preceder dissolução ( e por composição entendo como a vinda a este mundo pelo nascer); necessariamente, portanto, se a síntese não precede, a dissolução não se segue. Portanto, se temos de ir além das probabilidades, a vida após esta se mostra de antemão como algo que é fixo e imperecível, com nenhum nascimento ou decomposição para mudá-la.
Sobre a alma e a Ressurreição.
Gregório de Nissa não desconhecia transmigração de almas, mas não aprovava nem sua versão entre humanos, nem a de metempsicose e muito menos a pré-existência das almas:
Desde então a doutrina envolvida em ambas destas teorias está aberta à crítica – a doutrina similar àquelas que associam às almas uma fabulosa pré-existência em um estado especial e as que pensam terem elas sido criadas em uma época posterior aos corpos, talvez seja necessário não deixar nenhuma das declarações contidas nas doutrinas sem exame: embora embrenhar-se e lutar completamente com as doutrinas de cada lado e revelar todos os absurdos envolvidos nas teorias necessitaria de grande empenho tanto de argumentos como de tempo; iremos, contudo, rapidamente pesquisar o melhor que pudermos de cada um dos pontos de vista mencionados e então prosseguir nosso assunto.
Aqueles que advogam a referida doutrina e asseveram que o estado de almas é anterior a esta vida na carne, não me parecem serem limpos das doutrinas fabulosas dos pagãos que sustentam aspecto da sucessiva incorporação: pois alguém tiver de procurar cuidadosamente, descobrirá que a doutrina deles é necessariamente resumida a isto. Contam-nos que em um de seus doutos disse que, sendo uma e a mesma pessoa, nasceu como homem, e depois assumiu a forma de uma mulher, e voou com os pássaros, e brotou como um arbusto, e obteve a vida de um ser aquático. E ele que disse essas coisas de si mesmo, até onde podemos julgar, não foi muito longe da verdade: por tais doutrinas como esta, dizendo que alma passou através de diversas mudanças, são realmente adequadas para o matraquear das rãs e gralhas, a estupidez dos peixes ou insensibilidade das árvores.
Sobre a Criação do Homem – XXVIII. “Aos que dizem que a alma existiu antes dos corpos ou que os corpos foram formados antes das almas; e daí também uma refutação para as fábulas acerca da transmigração da alma.”
Ele era, na verdade, traducianista, i.e., acreditava que alma e corpo eram gerados juntos:
Mas assim como dissemos que no trigo, ou em qualquer outro grão, toda a forma da planta está potencialmente inclusa – as folhas, o talo, as juntas, o grão, a farpa – e não dissemos em nossa avaliação de sua natureza que nenhuma dessas coisas tem pré-existência ou vem à existência antes das outras, mas que o poder conformado na semente é manifestado em certa ordem natural, não por quaisquer meios que outra natureza seja infusa dentro dele – da mesma maneira que supomos que o germe humano possui a potencialidade de sua natureza, semeada com ele ao primeiro ímpeto de sua existência e que se desdobra e manifesta por uma sequência natural como procede ao seu perfeito estado, não empregando nada externo a si mesma como um degrau para a perfeição, mas avançando por conta própria no devido curso para o estado perfeito; de modo que não é verdade dizer tanto que a alma existia antes do corpo ou que o corpo existia antes da alma, mas há um começo para ambos, que, de acordo com a visão celeste, jazem sua fundação no arbítrio original de Deus; segundo a outra, veio à existência por ocasião de sua geração.
Sobre a construção do homem, cap. XXIX – “Uma instituição da doutrina de que a causa da existência da alma e do corpo é uma e a mesma.”