Evágrio Escolástico – História Eclesiástica

Evágrio Escolástico (536/7 – ?), bispo de Antioquia, escreveu um conjunto de crônicas da política religiosa imperial de 431 (no segundo concílio de Éfeso) até 594. Seu relato da segunda crise origenista começa pelo fim, já no ano de 553, e corresponde aproximadamente ao capítulo XC da Vida de Saba. Há algumas diferenças: a expulsão dos origenistas de Nova Laura precede o concílio e dá a entender que a questão dos “Três Capítulos” foi exposta só naquele ano. Tal como nos relatos anteriores acerca dos eventos de 543, Evágrio dá como gatilho para a ação de Justiniano a requisição de clérigos ortodoxos palestinos e defende a tese da intriga origenista contra os Três Capítulos como uma espécie de ação diversiva. De certa forma, este autor compacta as duas etapas da crise em uma só.

Livro IV, cap. XXXVIII

O Quinto Concílio Universal

Durante a época em que Vigílio era bispo da Antiga Roma e primeiramente Mena e depois Eutíquio da Nova Roma, Apolinário de Alexandria, Donino de Antioquia e Eustóquio de Jerusalém, Justiniano convocou o quinto sínodo pela seguinte razão:

Por causa da crescente influência daqueles que professavam as opiniões de Orígenes, especialmente no chamado [mosteiro] Nova Laura, Eustóquio lançou todo esforço para a remoção deles e, visitando o referido lugar, expulsou toda a facção, mandando-os para bem longe, como pragas comuns. Essas pessoas, com sua dispersão, se associaram com muitos outros. Encontraram um campeão em Teodoro, cognominado Ascidas, bispo de Cesareia, metrópole de Capadócia, que estava constantemente junto à pessoa de Justiniano, como sendo de confiança e altamente prestativo a ele. Enquanto ele estava criando muita confusão na corte imperial e declarou o procedimento de Eustóquio ser absolutamente ímpio e ilegal, esse último despacha para Constantinopla Rufo, superior do mosteiro de Teodósio, e Conon, do de Saba, pessoas de alta distinção entre os eremitas, ambos por causa dos seus méritos pessoais e das casas religiosas das quais eram chefes; e com eles estava juntos outros quase que nada inferiores seus em dignidade. Eles, na primeira ocasião, trouxeram à discussão as questões relacionadas a Orígenes, Evágrio [Pôntico] e Dídimo. Entretanto, Teodoro da Capadócia, como o objetivo de desviá-los desse ponto, introduziu a matéria referente a Teodoro de Mopsuéstia, Teodoreto e Iba; o bom Deus estava providencialmente dispondo todo o arranjo, para que as blasfêmias de ambas as facções fossem banidas.

Tendo iniciado a primeira questão, a saber, se era adequado anatematizar o falecido [i.e., Orígenes]; Eutíquio, um homem de consumada habilidade nas divinas Escrituras, sendo até agora uma pessoa indistinta – pois Mena ainda estava vivo e ele próprio era àquela época aprocrisário para o bispo de Amaseia – lançando um olhar sobre a assembleia, não apenas de autoridade e inteligência, mas de desprezo, declarou claramente que a questão não precisava de debate, já que o Reis Josias, em tempos antigos, não só matou os sacerdotes dos demônios, mas também quebrou os sepulcros dos que já estavam mortos há muito [cf. II Cr 34]. Isso foi considerado por todos como dito de modo pertinente. Justiniano, tendo tomado conhecimento da circunstância, também o elevou a sé da cidade imperial na ocasião da morte de Mena, que ocorreu pouco depois. Vigílio deu sua aprovação por escrito à assembleia do sínodo, mas se recusou a comparecer.

Justiniano apresentou uma pergunta ao sínodo em sua assembleia a respeito de qual era a opinião deles quanto a Teodoro e as declarações de Teodoreto contra Cirilo e seus doze capítulo, bem como a carta de Iba , como é chamada, endereçada a Mari, o persa. Após ler muitas passagens de Teodoro e Teodoreto e dado prova que Teodoro fora há muito tempo atrás condenado e apagado dos sagrados dísticos, como também que isso estava asseverando que heréticos deviam ser condenados após a morte, eles em unânime anatematizaram Teodoro e o que foi posto por Teodoreto contra os doze capítulos de Cirilo e a correta fé; bem como a carta de Iba a Mari, o persa; nas seguintes palavras:

Nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo, segundo a parábola nos evangelhos,” etc. “Além de todos os outros heréticos, que foram condenados e anatematizados pelos supracitados quatro sínodos e pela santa católica e apostólica igreja, condenamos e anatematizamos Teodoro, intitulado bispo de Mopsuéstia, e seus ímpios escritos; também o que quer que tenha sido impiamente escrito por Teodoreto contra a correta fé, contra os doze capítulos do santificado Cirilo, e contra o primeiro santo sínodo de Éfeso, e tudo que ele escreveu em defesa de Teodoro e Nestório. Anatematizamos, além disso, a ímpia carta que é dita ter sido escrita por Iba para Mari, o persa.

Após alguma outra questão, passaram a organizar quatorze capítulos acerca da fé correta e impugnável. Dessa forma os relatórios prosseguiram; mas por ocasião da apresentação dos libelos contra a doutrina de Orígenes, também denominado Adamâncio, e dos seguidores de seu ímpio erro pelos monges Eulógio, Conon, Ciríaco e Pancrácio, Justiniano endereçou a questão ao sínodo quanto a esses pontos, anexando uma cópia do libelo, bem como a epístola de Vigílio sobre o assunto; a partir da totalidade delas podem se reunir as tentativas de Orígenes de encher a simplicidade da doutrina apostólica com ervilhacas filosóficas e maniqueias. Portanto, uma relação foi endereçada para Justiniano pelo sínodo, depois de terem proferido exclamações contra Orígenes e os defensores de erros similares. Uma parte dela está expressa nos seguintes termos: “Ó cristianíssimo imperador, dotado com celestial generosidade de alma,” etc. “Afastamo-nos, portanto, afastamo-nos desse erro, pois não conhecíamos da voz do estranho [à doutrina]; e havendo prendido tal, como um assaltante ou ladrão, nos laços de nosso anátema, rejeitamo-lo dos sagrados precintos.” E agora prosseguem: “Por meio de cuidadosa leitura conhecerás o vigor de nossos atos.” A isto eles anexaram uma declaração dos enunciados das teses que os seguidores de Orígenes são instruídos a seguir, mostrando suas aprovações, bem como suas reprovações, e seus múltiplos erros. O quinto enunciado contém as blasfemas expressões clamadas por particulares indivíduos pertencentes ao que é chamado de Nova Laura, como se segue. Teodoro, apelidado Ascidas, o capadócio, disse: “Se os Apóstolos e Mártires nos dias atuais operam milagres e já são altamente honráveis, a menos que sejam iguais a Cristo na restituição das coisas, em qual sentido há uma restituição para eles?” Também relataram muitas outras blasfêmias de Dídimo, Evágrio [Pôntico] e Teodoro [Ascidas]; tendo com grande diligência extraído o que quer que tivesse a ver com esse pontos. Algum intervalo de tempo depois da reunião do sínodo, Eutíquio foi deposto e indicado para o seu lugar na sé de Constantinopla João, natural de Seremis, que é uma vila do distrito de Cinégica, pertencente a Antioquia. [ca. 565 d.C.]

Para Saber mais:
Scholasticus, Evagrius; Ecclesiastical History, Tertulian Project.