Índice
- Na Codificação.
- O Conceito e sua Origem.
- Versões Modernas.
- Primeiras Rachaduras.
- Fim e Legado.
- Notas
- Para saber mais.
* * *
Na Codificação
De O Livro dos Espíritos:
60. É a mesma a força que une os elementos da matéria nos corpos orgânicos e nos inorgânicos?
“Sim, a lei de atração é a mesma para todos.”
61. Há diferença entre a matéria dos corpos orgânicos e a dos inorgânicos?
“A matéria é sempre a mesma, porém nos corpos orgânicos está animalizada.”
62. Qual a causa da animalização da matéria?
“Sua união com o princípio vital.”
63. O princípio vital reside nalgum agente particular, ou é simplesmente uma propriedade da matéria organizada? Numa palavra, é efeito, ou causa?
“Uma e outra coisa. A vida é um efeito devido à ação de um agente sobre a matéria. Esse agente, sem a matéria, não é vida, do mesmo modo que a matéria não pode viver sem esse agente. Ele dá a vida a todos os seres que o absorvem e assimilam.”
64. Vimos que o Espírito e a matéria são dois elementos constitutivos do Universo. O princípio vital será um terceiro?
“É, sem dúvida, um dos elementos necessários à constituição do Universo, mas que também tem sua origem na matéria universal modificada. É, para vós, um elemento, como o oxigênio e o hidrogênio, que, entretanto, não são elementos primitivos, pois que tudo isso deriva de um só princípio.”
a) – Parece resultar daí que a vitalidade não tem seu princípio num agente primitivo distinto e sim numa propriedade especial da matéria universal, devida a certas modificações.
“Isto é consequência do que dissemos.”
65. O princípio vital reside em alguns dos corpos que conhecemos?
“Ele tem por fonte o fluido universal. É o que chamais fluido magnético, ou fluido elétrico animalizado. É o intermediário, o elo existente entre o Espírito e a matéria.”
66. O princípio vital é um só para todos os seres orgânicos?
“Sim, modificado segundo as espécies. É ele que lhes dá movimento e atividade e os distingue da matéria inerte, porquanto o movimento da matéria não é a vida. Esse movimento ela o recebe, não o dá.”
67. A vitalidade é atributo permanente do agente vital, ou se desenvolve tão-só pelo funcionamento dos órgãos?
“Ela não se desenvolve senão com o corpo. Não dissemos que esse agente sem a matéria não é a vida? A união dos dois é necessária para produzir a vida.”
a) – Poder-se-á dizer que a vitalidade se acha em estado latente, quando o agente vital não está unido ao corpo?
“Sim, é isso.”
O conjunto dos órgãos constitui uma espécie de mecanismo que recebe impulsão da atividade íntima ou princípio vital que entre eles existe. Ao mesmo tempo que o agente vital dá impulsão aos órgãos, a ação destes entretém e desenvolve a atividade daquele agente, quase como sucede com o atrito, que desenvolve o calor.
A Gênese, cap X:
Princípio vital
16. – Dizendo que as plantas e os animais são formados dos mesmos princípios constituintes dos minerais, falamos em sentido exclusivamente material, pois que aqui apenas do corpo se trata. Sem falar do princípio inteligente, que é questão à parte, há, na matéria orgânica, um princípio especial, inapreensível e que ainda não pode ser definido: o princípio vital. Ativo no ser vivente, esse princípio se acha extinto no ser morto; mas, nem por isso deixa de dar à substância propriedades que a distinguem das substâncias inorgânicas. A Química, que decompõe e recompõe a maior parte dos corpos inorgânicos, também conseguiu decompor os corpos orgânicos, porém jamais chegou a reconstituir, sequer, uma folha morta, prova evidente de que há nestes últimos o que quer que seja, inexistente nos outros.
17. – Será o princípio vital alguma coisa particular, que tenha existência própria? Ou, integrado no sistema da unidade do elemento gerador, apenas será um estado especial, uma das modificações do fluído cósmico, pela qual este se torne princípio de vida, como se torna luz, fogo, calor, eletricidade? É neste último sentido que as comunicações acima reproduzidas resolvem a questão. (Cap. VI, Uranografia geral.) Seja, porém, qual for a opinião que se tenha sobre a natureza do princípio vital, o certo é que ele existe, pois que se lhe apreciam os efeitos. Pode-se, portanto, logicamente, admitir que, ao se formarem, os seres orgânicos assimilaram o princípio vital, por ser necessário à destinação deles; ou, se o preferirem, que esse princípio se desenvolveu em cada indivíduo, por efeito mesmo da combinação dos elementos, tal como se desenvolvem, dadas certas circunstâncias, o calor, a luz e a eletricidade.
18. – Combinando-se sem o princípio vital, o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono unicamente teriam formado um mineral ou corpo inorgânico; o princípio vital, modificando a constituição molecular desse corpo, dá-lhe propriedades especiais. Em lugar de uma molécula mineral, tem-se uma molécula de matéria orgânica. A atividade do princípio vital é alimentada durante a vida pela ação do funcionamento dos órgãos, do mesmo modo que o calor, pelo movimento de rotação de uma roda. Cessada aquela ação, por motivo da morte, o princípio vital se extingue, como o calor, quando a roda deixa de girar. Mas, o efeito produzido por esse princípio sobre o estado molecular do corpo subsiste,mesmo depois dele extinto, como a carbonização da madeira subsiste à extinção do calor. Na análise dos corpos orgânicos, a Química encontra os elementos que os constituem: oxigênio, hidrogênio, azoto e carbono; mas, não pode reconstituir aqueles corpos, porque, já não existindo a causa, não lhe é possível reproduzir o efeito, ao passo que possível lhe é reconstituir uma pedra.
19. – Tomamos para termo de comparação o calor que se desenvolve pelo movimento de uma roda, por ser um efeito vulgar, que todo mundo conhece, e mais fácil de compreender-se. Mais exato, no entanto, houvéramos sido, dizendo que, na combinação dos elementos para formarem os corpos orgânicos, desenvolve-se eletricidade. Os corpos orgânicos seriam, então, verdadeiras pilhas elétricas, que funcionam enquanto os elementos dessas pilhas se acham em condições de produzir eletricidade: é a vida; que deixam de funcionar, quando tais condições desaparecem: é a morte. Segundo essa maneira de ver, o princípio vital não seria mais do que uma espécie particular de eletricidade, denominada eletricidade animal, que durante a vida se desprende pela ação dos órgãos e cuja produção cessa, quando da morte, por se extinguir tal ação.
O Conceito e sua Origem
Os três conceitos que dão nome a este artigo andam muitas das vezes juntos a ponto de ser muitas vezes serem confundidos, tidos por sinônimos, etc. O uso e o significado deles variaram no tempo e foram sujeitos a interpretações diferentes dadas por diversos autores de uma dada era.
O fio da meada é dado, basicamente, pela doutrina do vitalismo, a hipótese de que a vida e seus fenômenos não poderiam ser explicados pelas mesmas leis físicas e químicas que regem a matéria bruta. Haveria um “algo mais” externo aos seres vivos que lhes daria suas funções vitais, ou um princípio interno residente em alguma propriedade ou organização particular da matéria orgânica.
Já na Grécia antiga, os filósofos se indagavam sobre “o que é a vida?” sem ter que apelar para mitos da criação. Uma resposta cuja influência perdurou até os tempos modernos foi a Aristóteles. Em Metafísica, ele estabeleceu a diferença entre dynamis e entelechia. A primeira significaria a matéria propensa a ser formada, a segunda seria o principio modelador que daria atuaria sobre o primeiro. Em seu tratado “Sobre a alma”, Aristóteles desenvolve esta ideia com relação ao ser humano. Alma seria o primeiro entelechia do corpo natural, que seria vivente por meio de dynamis. Este princípio da vida foi divido em três: a alma vegetativa e de nutrição (psyche threptike), a animal e de percepção (psyche aisthetike) e a humana e da razão (psyche noetike).
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Versões Modernas
Georg Ernst Stahl.
Agora um salto no tempo. No século XVII teve o início do desenvolvimento das primeiras doutrinas mecanicistas da natureza, notadamente representada por Descartes, Boyle e Boerhaave. Não que eles negassem a existência de uma alma nos seres vivos, mas estabeleciam uma distinção profunda entre ela e corpo, que permitiria o estudo deste através da análise de suas partes. A primeira “encarnação” do vitalismo moderno veio como uma reação ao modelo cartesiano. Georg Ernst Stahl (1660 – 1734) fez uma das primeiras críticas ao mecanicismo com um sistema que misturava filosofia natural com fé. Em suas próprias palavras:
Todo o movimento do corpo humano segue a um determinado propósito. Todos os processos vitais, animalísticos e racionais causados pela mais perfeita harmonia e sua indecifrável conexão com uma força especial. Acertadamente se conclui que ela é a alma, que produz todos esses movimentos (processos) diretamente. Eles podem ser bem ordenados ou não, ter características vitais ou animalistas, preservar o corpo ou destruí-lo, ser corretamente guiadas ou não.
Fonte: [Stollberg, p.3]
Uma concepção que lembra um pouco a alma aristotélica, apesar de sua visão ser cristã. Para Stahl, ser humano e alma se equivaleriam. A alma lhe dá a vida, é vida me si mesma e é responsável por toda a atividade viva do corpo. A matéria corporal é distinta daquela pertencente ao ambiente, sendo que os seres vivos transformam o alimento que adquirem (inclusive de outros viventes) numa matéria própria a sua natureza. Tudo presidido pela alma. Além disto, substâncias orgânicas diferem das inorgânicas de maneira que apenas as últimas podem ser reconstituídas a forma original após alguma manipulação química. Uma separada da organização do corpo, uma amostra orgânica está fadada a destruição e se decompõe irreversivelmente. O episódio da morte seria um exemplo claro disto.
O “princípio vital” foi desenvolvido como um meio termo entre o mecanicismo e vitalismo radical de Stahl. Diversas versões dele foram especuladas ao longo do século XVIII. Três importantes exemplos seriam:
- Friedrich Casimir Medicus (1736 – 1808): primeiro a usar o termo “força vital”. A alma não seria responsável por todos os movimentos como advogava Stahl e Aristóteles, tendo sido reduzida apenas a seus efeitos espirituais de pensamentos e vontade, sendo a “força vital” a responsável pelas ações inconscientes sobre o corpo.
- Johann Christian Reil (1758 – 1813): estabeleceu um vitalismo “de baixo para cima”. A força vital emergiria da especial organização da matéria viva.
- Samuel Hahnemann (1755 – 1843): o pai da homeopatia deu uma visão mais espiritualizada da força vital, em oposição a Reil, e sem tentar conciliar mecanicismo com vitalismo, como Medicus.
As diversas concepções do princípio ou força vital foram bem mais complexas que isto, com diversos outros personagens e extrapolam o interesse aqui. Deixo, ao fim, um bibliografia a quem se interessar pela ciência desse período. O mostrado até agora trata mais do vitalismo voltado à explicação da fisiologia dos seres vivos. O aspecto químico dessa corrente se desenvolveu no princípio do século XIX.
O químico sueco Jöns Berzelius – um dos mais renomados de sua época – foi um dos primeiros a estudar o fenômeno da eletrólise. Seus estudos com soluções de diversos compostos sob a passagem de uma corrente elétrica resultavam na quebra da substância em unidades menos, sendo uma parte atraída pelo anodo (terminal positivo) e outra pelo catodo (terminal negativo). Estimulado por diversos resultados similares, Berzelius achou ter descoberto a chave a reação química em uma teoria mais ampla: todos os compostos eram duais, consistindo em um elemento positivo e outro negativo, mantidos juntos pelas cargas elétricas opostas.
Infelizmente, nem tudo na natureza é simples assim, e casos anômalos volta e meia aparecem. Ao fim da segunda década do século XIX, certos compostos desafiavam o dualismo de Berzelius pela aparente falta de uma natureza positiva/ negativa. Tal era a situação dos compostos orgânicos. Longe de abandonar sua própria teoria, Berzelius utilizou o conceito já existente de “força vital” como resposta ad hoc ao problema: o compostos orgânicos, por serem vivos, estariam sujeitos a tal forças, que operaria sobre as leis da química orgânica. O que remete a idéia contida na questão 63 de O Livro dos Espíritos, quando Kardec fala sobre a “matéria organizada”, i.e., a orgânica.
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Primeiras Rachaduras.
Pelo menos até pouco tempo era possível ver livros didáticos, ao fazerem uma breve introdução à química orgânica, relatarem que Friedrich Wöhler, ironicamente discípulo de Berzelius, teria derrubado a tese vitalista com sua famosa síntese da ureia a partir do cianato de amônia, em 1828. Por mais difundido que seja, modernamente isso tem sido apontado como um mito cujas origens remontam uma série de livros publicados entre 1843-47 por um entusiasta antivitalista (Hermann Kopp, Geschichte der Chemie – “A História da Química”), que serviu de base para escritores posteriores. Não que a experiência tenha sido uma fraude, muito pelo contrário, ela ocorreu sim; porém ela não chegou a ser uma “refutação” do vitalismo como um todo (que possuía diversas variantes), mas um primeiro arranhão na vertente de nível molecular dele. Muitos ainda poderiam duvidar (e duvidaram) que a ureia fosse uma realmente substância orgânica, sendo na verdade apenas um resíduo; ou o cianato de amônia poderia ser uma substância orgânica. Sem falar na relativa simplicidade dessa molécula quando comparada com outros compostos orgânicos.
Selo postal alemão em memória ao centenário do falecimento Friedrich Wöhler. Em destaque, esquemático da molécula da ureia.
Mito ou não, a possibilidade de síntese artificial de substâncias tidas como exclusivas de seres vivos estimulou o recrudescimento de um movimento antivitalista da década de 1850, que teve Hermann Kolbe (que sintetizou o ácido acético em 1845) e Marcelin Berthelot (acetileno, 1862) como principais protagonistas na busca por processos artificiais. Foi um período de grande avanço no conhecimento de compostos orgânicos, que saltaram de 720 em 1844 para 10.700 substâncias conhecidas (sintéticas ou não) em 1870! Apesar de todo o êxito, o esforço ainda não foi suficiente para refutar de vez o vitalismo químico, cujos defensores utilizaram a falta de síntese para compostos assimétricos como defesa da necessidade de uma “força vital”, pelo menos até o começo do século XX.
No campo da fisiologia, o vitalismo começou a enfrentar oposição mais séria também em meados dos século XIX. O fisiologista e físico Hermann Helmholtz chegou ao princípio da conservação da energia pela observação de que os processos vitais a retiravam toda da oxidação dos alimentos e que o calor animal e a atividade muscular era gerada por mudanças químicas dentro destes. Junto a outros nomes como Emil du Bois-Reymond, Ernst Brücke e Karl Ludwig, fez-se um coro de uma geração de fisiologistas que se opunham a explicações baseadas na força vital. Nas palavras de Bois-Reymond, ela não dava nenhuma explicação e era
Apenas um lugar confortável de descanso … onde a razão encontra paz na almofada das qualidades obscuras… Se alguém observar o desenvolvimento de nossa ciência, não falhará em notar que a força vital a cada dia se reduz a uma gama mais confirmada de fenômenos, como novas áreas estão crescendo trazidas para o domínio de forças físicas e químicas … É certo que a fisiologia, abandonando seus interesses particulares, será um dia absorvida numa grande unidade das ciências físicas; [a fisiologia] será de fato dissolvida em física e químicas orgânica.”
Fonte: [Friedmann, p. 98] (nota 1).
Trocando miúdos: a força vital era apenas uma máscara para a ignorância sobre o funcionamento da matéria viva, além de ter feito uma antevisão da ainda distante bioquímica.
Estas oposições não representaram a extinção do vitalismo em si, mas levaram a uma reavaliação de seu alcance. Por volta de 1860 começou a ocorrer um retorno às ideias de Reil. Emergiu um “neo” vitalismo que não se chocava diretamente com as visões mecanicistas. As propriedades especiais da matéria viva não emergiriam de uma causa externa, seriam fruto de uma organização especial da mesma; aproximadamente como está expresso em A Gênese X, 17. Theodor Schwann, criador da moderna teoria celular, retirou a visão holística do vitalismo de organismo inteiro para a célula. Esta, como unidade viva, seria a responsável pela emergência da vida na totalidade do ser. A diferença entre o orgânico e o inorgânico estaria na estruturação de suas partes:
Um corpo organizado não é produzido por um poder guiado em suas operações por uma ideia, mas é desenvolvido, de acordo com as leis cegas da necessidade, por poderes que, como aqueles da natureza inorgânica, são estabelecidos pela própria existência da matéria.
Fonte: [Schwann].
Fim e Legado
A síntese de compostos orgânicos prosseguiu ao longo da segunda metade do século XIX e confinou o vitalismo à célula viva, sem eliminá-lo. A reprodução de material biológico da maneira como eles eram feitos em seres vivos não recebeu a mesma atenção. Somente setenta anos após a síntese da ureia de Wöhler, o químico Eduard Buchner fez o primeiro passo na reprodução in vitro de processos celulares, conseguindo a fermentação alcoólica a partir das enzimas de levedos. Foi laureado com o Nobel em 1907 por esta descoberta. Mal comparando, Buchner está para a bioquímica, assim como Wöhler, ainda que involuntariamente, está para a química orgânica. Essa se tornou algo como “a ciência do carbono”, tendo um sem número de substâncias que jamais pertenceram a um ser vivo. A primeira é que herdou a tarefa de destrinchar o funcionamento da vida, algo bem mais difícil e cujos desafios foram responsáveis por seu desenvolvimento mais lento. Só em 1932, mais de um século após a experiência de Wöhler, foi explicada a formação da ureia nos tecidos, e em 1953 a molécula do DNA teve sua forma desvendada, sendo o código que ela contém para a fabricação de proteínas decifrado em 1961.
No balanço geral, pode-se dizer que a codificação toma partido de uma das correntes científicas da época. Não tem o atraso de uma geração que certos críticos fazem ao situar a crise do vitalismo em 1828 (experiência de Wöhler), porém sua opinião já não era tão consensual como muitos seguidores gostariam de crer. De fato, o período da codificação foi concomitante com um programa de pesquisa que, ao menos, colocou em xeque a vertente química do vitalismo. Talvez seja possível, em defesa de Kardec, alegar desconhecimento das pesquisas de ponta contemporâneas a ele. Contudo, mudanças nos conceitos do vitalismo fisiológico e noções de evolução biológica – essa ausente em O Livro dos Espíritos – estão presentes na Gênese, sinal de que ele estava relativamente “antenado” com os acontecimentos científicos. Uma referência às então recentes sínteses de substâncias orgânica seria cabível, ainda que ele pudesse alegar a falta de compostos assimétricos ou que esses processo in vitro eram por demais diferentes dos in vivo.
Pode-se cogitar que ele considerasse os progressos de então tímidos quando comparados com a vastidão do que ainda falta por descobrir, um entusiasmo de materialistas que não era digno de nota. Se bem que neste caso o mecanicismo venceu, mostrando que nem todo fenômeno sem explicação calcada em leis conhecidas nunca terá um dia. Bem, talvez a última palavra não tenha sido dada ainda. Variantes de inteligent design e neolamarckismo não deixam, de certa forma, de serem encarnações recentes do vitalismo, evidenciando a existência de discussões nessa área. Só que bem diferente daquelas no século XIX.
A história do vitalismo nos traz mais para pensar. Ao lado do flogístico e do éter luminífero, ele foi um dos conceitos mais caros à ciência que depois foi descartado. Os dois primeiros tiveram uma defesa ferrenha feitas ao custo de ad hocs cada vez mais apelativos quantos às suas propriedades. O vitalismo, por sua vez, teve uma escola que se opôs sistematicamente a ele. Seus alicerces não sofreram nenhum golpe mortal, foram roídos pelas bordas, através do esvaziamento de suas funções. Nenhum desses princípios foi detectado diretamente alguma vez. Surgiram como artifícios úteis para tapar lacunas dos conhecimentos de suas épocas.
Será que todos os “fantasmas” do passado científico hoje soam como imaginação pueril? Não. Há uma exceção importante: o átomo. Até o começo do século XX, havia cientistas que não consideravam os átomos como entidades reais, mas como se fosse outro artifício usado para dar sentido às leis químicas(3). Só em 1905, um artigo de Albert Einstein sobre o movimento browniano(3) mostrou a primeira evidência indireta que eles são “concretos”.
Vale lembrar que há teorias muito em voga hoje em dia, tais como supercordas, a memética e, por que não, algumas propriedades atribuídas à alma consciência; que dão explicações fantásticas em seus campos de atuação, só que elas ainda são tão passíveis de comprovação quanto o átomo vitoriano. É possível que virem novos paradigmas ou entrem naquele gigantesco cemitério que chamamos de “Ciência”. Isso apenas o tempo dirá.
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Notas
(1) Segundo o autor, extraído de Trusted, Jennifer; Beliefs and Biology, Theories of Life and Living, Macmillan, 1996, pp. 118, 151.
(2) Duas leis químicas serviram de base para a teoria atômica de Dalton (1766 — 1844):
- Conservação da matéria (ou Lei de Lavoisier): a massa de um composto é a soma das massas de seus elementos;
- Proporções definidas (ou Lei de Proust): um composto é formado pela união de átomos em proporções determinadas. Consequentemente, a proporção, em peso, dos dois elementos é sempre a mesma em qualquer amostra do composto.
Conceber a existência de uma unidade indivisível e indestrutível da matéria – o átomo – seria forma de explicar ambas de de uma só vez. O problema é que a Lei de Proust nem sempre é válida. Por exemplo, água e álcool são solúveis um no outro em qualquer proporção. Anomalias como essa e a falta de uma comprovação empírica levaram alguns cientistas de calibre, como Ernst Mach, a rejeitá-la.
(3)Nem só de Relatividade vive um gênio. Mil novecentos e cinco foi, digamos, seu annus mirabilis quando publicou três notórios artigos: um que definia as equações da “relatividade restrita” (embora não usasse esse nome), esse sobre o movimento browniano, e mais um sobre fotoeletricidade. Curiosamente, Einstein recebeu o Nobel de Física de 1921 por esse último e não pelo o que deixaria mais famoso. A Teoria da Relatividade ainda era muito polêmica e, talvez, a Academia Sueca tenha preferido não arriscar premiar uma teoria ainda não consolidada. Mas o prêmio não deixou de ser bem merecido, pois Einstein propusera a existência uma partícula para a energia eletromagnética – o fóton – que foi de fundamental importância no desenvolvimento da Mecânica Quântica.
Para saber mais
– Friedmann, Herbert; From Wöhler’s urine to Buchner’s alcohol, acessado em 30/04/2013.
– Hermann Helmholtz, acessado em 30/04/2013.
– Prestes, Maria Elice Brzezinski; Teoria celular: de Hooke a Schwann, Ed. Scipione
– Schwann, Theodor; Microscopical Researches into the Accordance in the Structure and Growth of Animals and Plants, acessado em 02/05/2013.
– Schummer, Joachim; The notion of nature in chemistry,acessado em 30/04/2013.
– Stolberg, Gunnar; Vitalism and vital force in life sciences – The demise and life of a scientific conception, acessado em 30/04/2013.
– Strathern, Paul; O sonho de Mendeleiev – A verdadeira história da química, Jorge Zahar Editor
Descobri seus textos e achei bem interessantes e cheios de referencias, entretanto tenho visto que você se preocupa muito com ad hoc e com definições antigas. A linguagem utilizada na publicação dos obras Kardekianas não tem como ser específicas como a que usamos hoje em dia, assim como seus textos daqui a 200 anos parecerão imprecisos podendo até ser questionados.
Os átomos por exemplo. foram descritos na Grécia antiga e embora a descrição seja muito diversa da que temos hoje, os átomos foram comprovados e até “fotografados”. A palavra fotografado foi usada propositalmente pois não define exatamente a técnica utilizada, mas exprime o conceito melhor que se utilizada a linguagem técnica. Aliás, se ainda não viu, busque, pois a visão daquele borrãozinho cheio de filtros é muito expressiva. Os microscópios de varredura são muito interessantes.
Falando sobre vida, não temos nem uma definição exata do que seja, e me parece que ajustamos as definições ao que queremos chamar de vida ao invés do contrário, um verdadeiro ad hoc.
Ao que me parece, o que chamamos de vida, é apenas uma faixa das interações regidas pela leis divinas, ou se preferir, leis naturais. Digo isto, porque tudo segue o determinismo destas leis (com exceção ao mundo quântico que ainda não entendemos direito).Tudo interage de acordo com as 4 forças (gravitacional, eletromagnética, nuclear forte e fraca), isto vai se desencadeando em interações cada vez mais complexas – interações atômicas formando moléculas, interações moleculares formando compostos inorgânicos, interações de compostos inorgânicos formando compostos orgânicos, compostos orgânicos formando formando ácidos nucleicos, depois proteínas, depois vírus e seres unicelulares e por aí vai. Tudo é uma questão de interações cada vez maiores, chegando até a interação de maior complexidade que a ciência reconhece, o ser humano. Esse é o raciocínio da evolução (ciência e espiritismo).
Por isso acredito que o existir é igual a interagir, pois tudo interage. Até desconfiamos que algo exista, pela comprovação de uma interação não explicada pelas explicações vigentes. Foi assim que que Einstein desmitificou Newton, com um Ad Hoc as suas leis.
Esse é o raciocínio que leva a descoberta de planetas, da suspeita da existência da matéria escura e também da influência dos espíritos.
Retornando ao principio vital, talvez a ausência dele, seja a explicação de ainda não termos conseguido descobrir como formamos espontaneamente acido nucleico sem os mecanismos celulares, como manter cultura de tecidos se estruturarem autonomamente mesmo com as condições propícias, e afins.
Um abraço e continue questionando, estando aberto para todas as possibilidades até que sejam realmente refutadas.
o princípio vital talvez devesse ser melhor avaliado através de analogias com o conceito de “campo de higgs” o qual a física atual prega ser agente formador da matéria e é claro, da matéria formadora dos organismos vivos também, e não comparar com a teoria do vitalismo
Prezado Fabiano,
Veja minha resposta feita ao seu cometário anterior, na página “Reencarnação x Ressurreição”.
Cyrix, esperei ansiosamente por uma nova postagem sua e só hoje resolvi visitar novamente seu blog para saber se havia algo novo. Já li quase todo o conteúdo do seu blog e achei ele fantástico. Embora você seja agnóstico, demonstra ter grande conhecimento da teologia cristã e das línguas bíblicas, sem falar do kardecismo. Gostaria de saber se é possível manter contato com você para pedir alguns auxilios e textos que você já tenha escrito (dentro de suas possibilidades e tempo, é claro).
Meu e-mail é: xxxxxx@xxxxx [editado para evitar spammers]. Não estou pedindo que se identifique, sei as razões pelas quais você não o faz, mas que apenas entre em contato comigo. Se resolver fazê-lo, responderei a seu email com meus pedidos de ajuda.
Não li ainda esse seu último texto, mas acho que poderei lê-lo ainda hoje. Parabéns pelo belo conteúdo de blog.