Índice
- Um Inusitado Admirador
- Origens
- Flame Wars: a Era dos Fóruns
- Um Caso de Amor e Intrigas
- Uma Descida ao Abismo
- O Livro que Ninguém lerá
CinquentaQuatorze Anos depois…- Réquiem
Um Inusitado Admirador
Quero deixar aqui minha admiração a este “anônimo” adversário da Doutrina Espírita. Nunca vi alguém estudar com tanto afinco para contrapor uma filosofia. Você é um ser com uma capacidade de raciocínio e de argumentação incrível, e eu como espírita, não tenho sequer coragem de arriscar algum argumento em defesa da Doutrina Espírita, diante de suas argumentações e documentações apresentadas. Minha argumentação e conhecimentos seriam simplórios diante da astúcia com que você se desenvolve em suas argumentações. Eu não tenho experiências espirituais que comprovem sequer o que eu acredito, apenas meus parcos estudos dentro da Doutrina. Portanto, só o que há em mim que possa abonar minha crença, é a fé. Talvez, como já falou aquele carinha famosinho, este seja o meu “ópio”, mas eu prefiro isso, do que enfrentar o vazio da incerteza. Quanto a você, meu irmão “anônimo”, não compreendo onde tudo isso o está conduzindo. Não compreendo qual a vantagem de dispensar tanta energia em um combate como este. Como escreveu o @Claudio, é uma das filosofias de amor mais coerentes que eu conheço. Ainda concordando com a colocação de nosso amigo Claudio, não compreendo porque você não empreende melhor todo este seu dom e toda esta energia, de um modo mais positivo em favor de você e de nossa humanidade. Com sinceridade, tenho muito respeito pelos teus textos, teus argumentos, tuas pesquisas, pois são de uma lucidez muito grande, ainda que eu não compreenda onde você quer chegar com isso, e qual a vantagem que almeja. Eu compreenderia se você me dissesse que está defendendo a sua religião ou a sua filosofia, mas não consigo entender o motivo desta guerra sem objetivo. Da minha parte, o que digo é que a Doutrina Espírita não precisa ser defendida, e que toda a verdade desta filosofia se constata em pouco tempo, que é o nosso pós-tumulo. Eu compreendo que há muita verdade no trabalho que você tem feito, mas também acredito que algumas verdades também deve haver na filosofia Espírita, bem como em tantas outras filosofias espiritualistas espalhadas pelo mundo. E a única argumentação que tenho, e que para você não deve significar nada, é a minha fé. Se você está em busca de alguma verdade, desejo que a encontre, e que compartilhe conosco quando a encontrar. (Comentário postado em Vinde Espírito Santo)
É Fred (posso te chamar assim?), você merece uma resposta. Até porque não deve estar sozinho. Vou deixar este fixo no topo por uns tempos até ter encerrado. Seus comentários serão os únicos que autorizarei, ao menos de início.
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Origens
Quem viu esse filme talvez possa perceber algo a ver …
As coisas começaram, de certa forma, bem antes de nascer. Não falo de planejamento reencarnatório em alguma colônia etérea ou coisa assemelhada, mas na minha figura paterna. Em sua juventude ele chamara a atenção de seus pares veteranos. Muito culto e inteligente, podia-se dizer que ele era uma promessa para o movimento espírita. E, realmente, foi só isso mesmo: ao falecer tragou toda sua cultura para o túmulo. Por outro lado, o fato de ele ser quem era rendeu-me um ambiente culturalmente rico, com boa oferta de livros e, às vezes conversas, longas sobre os assuntos mais aleatórios que uma curiosidade infantil permitisse.
Minha apresentação ao espiritismo foi feita por ele mesmo, baseada numa espécie de “catecismo” antigo que possuía. Por sinal, ao contrário de outros familiares de minha faixa etária, não frequentei nenhuma sala de evangelização. Não sei se por alguma implicância com a orientação do Centro mais próximo, alguma sensação de autossuficiência ou qualquer outra razão oculta, preferiu-se um home schooling. Não sei quanto essa relação mestre/discípulo pode ter emulado as escolas catequéticas católicas ou as dominicais dos protestantes, mas já ouvi (fico te devendo de onde) que relações mais horizontais, lúdicas e com outras crianças teriam sido melhores. Bem, agora só me restam cogitações.
Definitivamente, não éramos da mesma espécie, mas a gente se entendia.
O que ele não contava era ter um aluno … “questionador”, principalmente ao chegar ao começo puberdade. Por exemplo, quando chegamos à parte “Fora da caridade não há salvação” no Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE), perguntei algo como ”como praticar a caridade sem ter interesse em me salvar, pois do contrário não é caridade?”. Em outras palavras, perguntei se existia altruísmo genuíno ou sempre haveria um interesse subjacente. Não quero começar uma discussão filosófica aqui, pois diferentes respostas já escutei. Basta saber que por esse tipo de pergunta meu velho não esperava e tive um bom número de evasivas. Às vezes, buscava respostas sozinho, o que me levou a ler o Pentateuco por conta própria. Para o quê fui fazer isso: O Céu e o Inferno me encheu de horror em sua segunda parte. Hoje, claro, já não teria esse efeito, mas naquela época … Conforme cresci, o controle paterno se afrouxou e fui naturalmente me afastando. E, respondendo a sua pergunta, não, nunca tive nenhuma experiência “sobrenatural”. No máximo ouvia histórias e “causos” que ele presenciara, mas não se emprestam vivências. Aliás, o que eu realmente quase não li, nem muito me interessei, foi o Livro dos Médiuns (LM).
Mas Falhas do Espiritismo ainda estava um pouco longe… o que aconteceu foi em seguida foi uma espécie de comportamento ciclotímico que, hoje, nem entendo como aconteceu. Bem, tal como uma criança chora por um brinquedo quebrado – que alguns anos depois não daria a mínima –, o que senti na época foi importante. Já por volta da maioridade e sem contar mais com a presença da figura paterna, levada de forma súbita, fui tomado por um processo de, digamos, “aborrescência”, catalisado por experiências negativas. Tornei-me arisco e recluso, mas não depressivo ou inerte. O fim dos laços sociais, pelo menos, deu-me tempo de sobra para focar nos estudos, o que me permitiu passar pelo funil do vestibular com até mais de uma opção. Mudei de ares com a entrada no ensino superior, mas não de cabeça. Continuava alguém de “mal com a vida”, uma presa interessante para quem me desse uma proposta capaz de me fazer sentir especial: os evangélicos, por exemplo.
Longe de serem aqueles estereotipados pregadores em cima de um banquinho, no meio da rua, clamando em voz alta: eles eram seus próprios cartões de visita. No meio da loucura do corpo discente das universidades, eles eram uma ilha de sanidade para pessoas de formação mais “tradicional”, como a minha. Não era apenas isso. Sentia neles uma alegria de viver, uma autoconfiança, uma garra que me causava m uma certa inveja, não algo mesquinho, mas a vontade partilhar disso também. Fiz sinceras amizades naquele meio e, entre uma conversa e outra, assuntos religiosos acabam por aflorar. Não, não conheci nenhum daqueles clássicos “ex-isso”, “ex-aquilo”, todos, que eu me lembre, haviam sido criados assim de berço ou, pelo menos, muito cedo. O que me mostraram foi outra forma vivência, com um relacionamento com o Divino em nada racional, porém muitíssimo pessoal. O batismo, como de praxe, dado na adolescência parece um rito de passagem extremamente marcante a eles. Um verdadeiro “renascer”, bem distinto daquele aprendido na “catequese doméstica”. Foi de histórias como essas que comecei a entender o significado de transcendência, embora jamais viesse a me sentir tocado por algo além de meu ego humano. Também foi deles a sensação de acolhimento que precisava: no âmbito doméstico, nas poucas vezes em que pensei me abrir com outros parentes, a resposta era sempre algo como “você que escolheu isso” ou “essas foram as consequências de seus atos”, e “não estou aí para seus dramas existenciais”. Doía ouvir isso de gente que visitava orfanatos, hospitais, fazia trabalho voluntário, sempre lidando abnegadamente com desconhecidos e, ao mesmo tempo, sendo dura com alguém que conheceu de berço e até dividiu o teto. Fazer o quê? O espiritismo, em si, é uma meritocracia. O que os evangélicos me traziam, por sua vez, era bem diferente: eu poderia ser especial, mesmo sem merecer, aliás, mérito não fazia sentido nessa teologia. Eu não precisava estar pronto para ser acolhido: se acolhesse a oferta, eu que seria preparado. A porta deles sempre esteve aberta, não se precisava bater. Se eu havia cortado laços, outra comunidade muito maior estava prestes a me chamar de “irmão”. Não tinha em conta que estava imerso em um jogo de sedução (no bom sentido) muito bem orquestrado, que quase funcionou. Quase. Até hoje penso que, tivesse eu me entregado, não teria vivido mais feliz. Mas eles cometeram um erro sério no processo: exageraram na dose.
Havia alguns entre eles que eram criacionistas da “Terra Jovem”, adeptos de uma interpretação literal do livro de Gênesis. De início achei divertido discutir com eles, tamanha era a ignorância que tinham sobre o assunto. Depois fiquei um pouco preocupado, pois não eram ignorantes como pessoas, muito pelo contrário, mas tinham escolhido voluntariamente antolhar a mente num tema específico. Isso por si só não seria o bastante para prevenir uma possível conversão – também havia conciliadores entre ciência e fé -, pois o verdadeiro tiro pela culatra ocorreu quando me apresentaram o livro O Império das Seitas, de Walter Martin, volume 4. Um capítulo inteiro era dedicado ao Espiritismo. Se as dúvidas já haviam me afligido durante a catequese paterna, aquilo foi um choque: o autor reunira diversos absurdos científicos, inconsistências, argumentações fracas, interpretações enviesadas da Bíblia (afinal, era um livro da ortodoxia cristã) e rixas internas do espiritualismo de século XIX. Fiquei com a impressão de que havia tanto de apelação no espiritismo como no protestantismo. Passado o impacto inicial, entrei numa espécie de “negação”, não podia admitir que a “fé racionada” tivesse alicerces tão frágeis. Fiz, então, algo inédito em minha vivência religiosa: adentrei um centro espírita.
Ficava a algumas quadras de casa. Lembro ainda menino, em um passeio a pé pelas redondezas, de lhe perguntar por que ele não o frequentava. Não recordo, porém, da resposta, apenas da sensação de ele querer desconversar. Não sei se não gostava dos dirigentes, da dinâmica do trabalho ou se apenas não queria se envolver. O que quer que fosse não era nada fidagal, tanto que outros parentes próximos o frequentaram sem que ele implicasse. Nunca me encaminhou, porém, nem eu fizera questão. Como se diz no meio, já que não me voltava a Deus por amor, estava voltando pela dor, ainda que fosse uma dor emocional.
Olhei na fachada um cartaz com a programação semanal e soube quando eram as reuniões de mocidade (embora, tecnicamente, já fosse adulto jovem). Na reunião seguinte, estando a porta aberta, entrei e sentei-me ao fundo. Não demorou a minha presença ser notada e ser convidado a chegar à frente (cf. Lc 14:7-10). Posso dizer que fui bem recebido e o pessoal da mocidade não deixava nada a desejar em termos de acolhimento em relação aos evangélicos. Revi até alguns colegas de ginásio, pois a escola em que estudamos também era no mesmo bairro. A única diferença que vi entre os dois grupos – além das doutrinárias, claro – é a ausência do proselitismo dos últimos nos espíritas. Bem, isso não vem ao caso aqui. Coincidência ou não, minha chegada permitiu que os organizadores formassem um pequeno grupo com outros recém chegados (uns quatro, acho, contando comigo) a serem apresentados mais formalmente à doutrina. No essencial, não me mostraram nada de novo; mas, como modesto calouro, recomecei do zero. As novidades se encontravam naquilo que “não estava escrito”: os jargões, práticas e maneiras, enfim, tudo o que faz um membro de um grupo reconhecer outro sem grandes formalidades. Por exemplo, foi aí que descobri que “Pentateuco” era usado como sinônimo das obras básicas da codificação, em vez de meramente os cinco primeiros livros da Bíblia.
Passada a fase de apresentação, as coisas transcorriam mais ou menos assim em cada reunião:
- Alguma dinâmica de grupo para descontrair ou integrar, concluída com um prece;
- Partida dos grupos de estudo cada um para sua sala, conforme o grau de adiantamento. Se não me engano eram dois apenas;
- O estudo em si era dividido em dois tempos: um para algum capítulo de um livro do Pentateuco, artigo da RE ou o OQEE, seguido por outro para a leitura de algum romance psicografado, um daqueles “clássicos”: Memórias de um Suicida, Nosso Lar, Ação e Reação, etc;
- Uma reunião de despedida, como anúncios de caráter geral, um esboço para a próxima semana e uma prece final.
Íamos, também, visitar uma instituição de amparo pelo menos à tarde de um domingo do mês. Às vezes, numa frequência que não me lembro agora, também chegávamos mais cedo à reunião semanal para uma espécie de faxina no centro. Durante as férias de verão, havia uma programação mais leve, com a leitura de livros de pequenos contos, como alguns do Richard Simonetti, seguidas por dinâmicas calcadas na história lida.
Foram três anos eu acho. Melhor, quatro incompletos. Tive um entusiasmo inicial, admito, chegando a argumentar melhor com os crentes da faculdade e até a distribuir alguns exemplares de bolso do ESE (não para esses últimos, claro). Não era difícil, como a maioria dos apologistas já o sabe, usar contradições bíblicas contra eles. Se minha passagem por lá serviu de algo, foi para me convencer de que o espiritismo não se trata de “artimanha de satanás”. Por outro lado, ainda não estava convencido que fosse algo divino, ou pelo menos obra feita sob orientação superior. A fé não precisa de coerência para se manter firme, precisa de motivos e esses podem muito bem ser reunidos num ente misterioso chamado “inspiração divina“. Já a razão exige coerência, mesmo que se calque em premissas falsas. Uma “fé racionada” deveria ir pelo mesmo caminho, supunha. Só que as contradições científicas e filosóficas do Espiritismo continuavam a me assombrar e minha empolgação foi arrefecendo paulatinamente. Tentei trazer uma ou outra vez algum ponto à discussão, mas geralmente se preferia não interromper o fluxo do estudo do dia. Quando isso ocorria, era costume algum gentil veterano dar uma explicação à parte para mim, após a prece final. Achava um tanto fracos os argumentos, mas acatava. Não queria entrar num embate. Não lá dentro. Não me sentia à vontade. Essa era outra questão e aflição.
Eu simplesmente não conseguia me integrar. Ao contrário dos religiosos da faculdade, cujo convívio era quase diário, os membros da mocidade só se encontravam uma vez por semana e nem sempre eram os mesmos cada vez. Na faculdade era nítido que estávamos no mesmo barco apesar de nossas diferenças, enquanto no centro, com toda comunhão de ideias, ainda me sentia um estranho. Muitos dos demais estavam lá desde a época de evangelização (i.e., cresceram dentro do centro), mesmo os que eu já conhecia do ginásio, estavam apenas para colegas de classe que amizades profundas. Os coordenadores até sentiam isso e estimularam a participação em outros grupos para aumentar a interação (biblioteca, distribuição de cestas, etc.). Participei de um deles e penso que até a proposta era boas, porém chegou um tanto tarde para mim. Era complicado me envolver mais quando, internamente, a sensação de deslocamento aumentava mais e mais.
Percebendo essa contradição, brequei qualquer passo na direção de um envolvimento mais profundo e fui me afastando gradualmente. Comecei a ir semana sim, semana não, em seguida mensalmente, até sumir. Sim, fui embora sem dizer adeus. Se me arrependo, não sei. Meu eu antigo precisava sair, mas se acovardou. Ainda esbarro com um outro dos antigos contemporâneos de mocidade por essas andanças da vida e, se me reconhecem, devolvem ao menos um aceno. Acho que deixei boas lembranças, mas me constrange quão ignoram o que fiz.
No período em que fiquei, não tive nenhuma experiência, digamos, sobrenatural. Não era meu foco quando entrei e, quando próximo a sair, já não acreditaria nos bastidores do fenômeno. “Tomei passe” apenas uma vez e nada senti, até talvez porque já estivesse meio cético.
Já formado, encontrava-me sozinho de novo, por escolha própria outra vez, só que agora o cenário era outro: a internet começava a explodir e com ela as primeiras páginas pessoais e fóruns. Os primeiros autores e foristas que li eram ex-religiosos de origem católica ou protestante, sem muito em comum com minha vivência pessoal. Os únicos a realmente debater com espíritas eram os ainda religiosos, mas eram de um indigência intelectual de dar pena. Até que depois de muita busca encontrei um ex-espírita a criticar racionalmente o espiritismo. Tentei trocar ideias com ele, mas nada. Hoje, relembrando o fato, creio que ele já tivesse outros afazeres, assim como eu não respondo a vários dos que me escrevem também, mas na época essa pequena frustração foi a gota d’água para que eu decidisse agir por conta própria.
Resolvi criar minha própria página pessoal, inicialmente no domínio hpg e, logo depois, no GeoCities (ambos já extintos). No começo, o material não passava de uma coletânea que fiz do supracitado livro de Walter Martin, mas já era um bastante para um objetivo duplo: melhorar a argumentação de evangélicos e católicos, além de deixar espíritas na defensiva. Isso foi uma atitude calculista de minha parte? Sim, foi. A ideia era dar aos espíritas adversários à altura, a fim de os forçar a responder as dúvidas que me afligiam, ou, quem sabe, produzir mais céticos “ex-píritas” como eu mesmo, assim não ficaria mais sozinho. Estava disposto a acender a centelha de uma guerra ideológica ou, pelo menos, de uma corrida armamentista.
Assim surgiu “Falhas do Espiritismo”. Parti com as aspirações de glória de um recruta, mas o veterano que agora te escreve, preferiria a paz. Na época, não tinha ideia do que estava por vir.
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Flame Wars: a Era dos Fóruns
The winter is coming!
Entrar na Internet é fácil, fazer-se notar que é difícil. Então fui espalhar minhas sementes por aí. Criei o nick de “Cyrix”, que nada mais é que o nome de antiga uma empresa de processadores de baixo custo (uma “prima pobre” da Intel) cujo um dos produtos movia um laptop que usava. Coisa bem nerd, reconheço, e a maioria hoje não o deve saber sem pedir ajuda a um motor de busca. Bem, foi esse o “nome de guerra” que adotei no fórum Sociedade Terra Redonda (STR), talvez um dos primeiros fóruns céticos virtuais do país, ao lado do ainda ativo Religião é Veneno.
Adicionei um link para o portal em minha assinatura da STR, mas o resultado inicial foi um tanto pífio: o foco do fórum estava no combate a radicais católicos, evangélicos, criacionistas de ambos os grupos e ufólogos. Os tópicos que abri para divulgá-lo não iam além de algumas postagens. Tentei repassar o material para outros portais que abrissem espaço para a paranormalidade, como o finado “A Busca da Verdade”, como algum sucesso e olhe lá. Cheguei ao cúmulo de postar na caixa de entrada de portais de centros espíritas pedindo ajuda para refutar minha própria criação, fingindo ser um pobre adepto em crise de fé. Quase todos, porém, me recomendaram buscar orientação e estudo num centro espírita.
As coisas começaram a mudar após um debate entre o cético Cláudio Loredo e o espírita Marcus Arduin a respeito da “vida após a morte”, moderado pelos administradores da STR. Isso colocou esse fórum cético/materialista no radar dos espíritas. Por meio de alguns espíritas que lá aportaram, tomei ciência do sítio Portal do Espírito (ainda ativo) e de seu fórum. Registrei-me lá também, porém um perfil falso chamado “Círius”, com o qual pratiquei uma espécie de “trollagem moderada”. Explico: não abria tópicos com a intenção de implicar, mas alfinetava dentro de outros já abertos por outros foristas declaradamente “do contra”. Tanto que a moderação local criou uma seção justamente com esse nome por lá. Ficava eu mais como uma espécie de vírus incubado, esperando o momento certo de agir. Os que realmente abriam pegavam material de meu portal, mas os foristas locais não respondiam, pois havia outra pessoa a fazer isso por eles, à qual eles apenas linkavam.
Inimigos também podem guardar respeito, ainda que a contragosto.
Chamo-o momentaneamente de V., pois talvez eu fale sobre coisas particulares de uma outra pessoa à qual não pedi autorização. Para resumir, diria que foi uma das poucas interações produtivas que tive ao longo da última década. Eu já tinha ciência de sua existência, pois ele já tentara dialogar com A Busca da Verdade, mas foi uma perda de tempo, devido, ao que eu que me lembre, à “falta de modos” dos administradores daquele portal. Então, decidi dar-lhe uma nova oportunidade quando me enviou um “e-mail resposta”. Logo percebi a razão do pouco interesse dos espíritas pelo meu portal: estava tudo muito cru e facilmente contra-argumentável. Foram duas ou três rodadas de respostas e réplicas, que me valeram para incrementar o próprio portal. Durante esse período, travei contato com o trabalho de nomes como Pastorino, J.R. Chaves, Severino Celestino da Silva, Paulo Neto e outros escritores, divulgadores e apologistas espíritas. Constatei ainda ter muito a me aperfeiçoar e, ao mesmo tempo, um amplo campo por onde expandir. No balanço final, eu diria que levei a melhor na crítica à reencarnação na história e ele em na defesa dela como fato. V. também aproveitou o material que produziu para a criação de se seu próprio portal, que depois foi reformulado para outro em formato de blog, dedicado à análise de evidências quanto à existência de espíritos e de casos de recordações de vidas passadas, além de fazer avaliações críticas dos romances psicografados considerados clássicos entre os espíritas. Não sei se ele ainda se declara espírita, mas gostaria que existissem mais como ele.
Algum tempo depois, por motivos técnicos (problemas com a hospedagem) e brigas internas por motivos que já não me lembro mais, a STR se desagregou. Parte de seus foristas fundaram o Clube Cético (ainda ativo) e outra migrou para o supracitado Religião é Veneno. Criei perfil no primeiro e já tinha um no segundo, pois ambos tinham estilos bem diferentes. O “Clube Cético” (CC, para os íntimos) manteve a postura de “rédea curta” em termos de moderação da STR, que sempre evitou uma escalada exagerada das discussões, ao passo que o “Religião é Veneno” (RV, para os íntimos) era bem mais anárquico. Havia moderação, sim, e ela agia (e ainda age) prontamente quando uma postagem descambava em algum crime contra a honra da pessoa real por trás da tela (injúria, calúnia e difamação), de ódio e/ou racismo. Agora, quando o único afetado era um “nick”, então a pancadaria era livre! Trollagem era tolerada? Digamos que em um nível muito maior que no CC, mesmo assim um bom número de foristas conseguiu a proeza de torrar a paciência da moderação e ser banido.
“Dizem que se um debate no Religião é Veneno não tiver pelo menos três mortes, ele é considerado chato.”
Foi no RV que conheci alguém que se propunha ser uma espécie de Nêmesis meu (e de outros, quem sabe). Seu nome, bem, para protegê-lo, será “Kevin”. Era um ex-membro de uma seita evangélica e prosélito do espiritismo, um caso raro em minha vivência. Segundo testemunho seu, em outro fórum (de orientação evangélica), fora uma espécie de apologista cristão contra o espiritismo, como tantos outros, que, quando teve o senso de dúvida despertado indiretamente pelos próprios espíritas que atacava, entrou em crise fé. De um crente devoto, tornou-se kardecista igualmente fanático devoto, sem deixar de agir como um pretenso teólogo. Óbvio que eu era uma presa cobiçada e ele estava em fóruns alheios justamente para refutar, desprezar e escrachar os que se opusessem a sua nova fé, como um bom troglodita.
Só que ele não sabia como a banda tocava ali. Ninguém ali estava preocupado em “salvar a alma” ou praticar a “reforma íntima”, enfim, os céticos/materialistas não faziam a menor questão de bancar os bonzinhos. Muito menos alguém ali acreditava na Inerrância Bíblica para defender se esta ou aquela interpretação era a mais piedosa. Os sentidos mais crus e ásperos para nós eram os mais prováveis, principalmente se estivessem a serviço da mitologia nacional do Antigo Israel. Vendo a incapacidade de se fazer notar, tentou mudar de tática, atendo-se aos aspectos mais, digamos, “científicos” do espiritismo ou criticando os adeptos a parapsicologia “quevedista”, que ninguém de fora levava a sério, mas que nos divertiam com suas teorias ridículas sobre o inconsciente. Comigo, não conseguiu ir muito longe, pois, primeiramente, não oferecia eu combate aberto, adotando mais a tática do Picador. Ainda assim, consegui surpreendê-lo refutando textos de Aksakof, besteiras sobre a Patrística e o II Concílio de Constantinopla. E, em segundo lugar, outros fóruns em que postava, de perfis religiosos, consumiam mais de suas energias.
Nem tudo foi ruim com a presença de espiritualistas: o fórum, por algum tempo, foi um interessante lugar de debate entre a “hipótese psi” (a versão séria) e a de “sobrevivência”, i.e., a separação entre mente e corpo, mas foi impressionante a incapacidade dos kardecistas ortodoxos em acrescentar algo. Houve duas honrosas exceções, mas jamais os classificaria como ortodoxos, tal como Kevin era. Esse começou a se incomodar com um forista cético que bancava o papel de Palhaço Malvado, não que os argumentos desse fossem grande coisa, mas evidenciavam como Kevin caía muito fácil em “zoações”. Ele gostava de bater com seus punhos de aço, mas detestava que lhe arranhassem o queixo de vidro.
Sabendo disso, revolvi me aproveitar e dar-lhe o sabor do próprio veneno: registrei-me em um fórum evangélico do qual ele participava e comecei a abastecer os foristas religiosos com os “furos” na doutrina espírita e em suas defesas apologéticas. Não demorou muito para a irritação dele dar sinais de que iria rebentar. Retirei-me discretamente antes de uma “guerra aberta” (que não conseguiria manter, afinal ele tinha boa retórica, embora prolixo demais) e deixei que os “donos da casa” cuidassem do resto. Fiquei por um tempo restrito ao Religião é Veneno, até porque meu perfil fake fora descoberto no Portal do Espírito. Estava eu a fim de “dar o troco” em um forista espírita com quem me desentendi no Clube Cético, de certa forma, fui traído pela própria demonstração de conhecimento quando debatedores melhores lá chegaram e fui “convidado” peitá-los. No RV esteve mais do mesmo algum tempo, até que, em um fatídico dia Kevin, cometeu um erro fatal.
– Seu maldito! Kardec é inatacável!!
-Ah, vai te catar!
Ele caiu numa armadilha colocada pelo supramencionado evil clown: as polêmicas declarações da codificação quanto à inferioridade de negros (e asiáticos, também) em relação aos europeus. Em vez de dar uma daquelas respostas-padrão de que Kardec estava preso no século XIX e, sendo assim, portaria o “ranço” de sua época, etc. e tal, ele corroborou e quis provar que isso não era racismo porque essa superioridade existiria de fato (e da pior maneira possível). Não contava, porém, com a emergência de outro forista muito mais competente que ele em eloquência e, para seu azar, membro de uma etnia tida por inferior na codificação. Foi um massacre. Nenhum dos demais espíritas foi em seu socorro para defender o indefensável e os demais céticos, como eu, ficamos assistindo de camarote Kevin ser humilhado, com uma ou outra provocação manifestação ocasional. Kevin não sumiu de imediato depois dessa, mas sua participação diminuiu significativamente, até se extinguir. Bem mais tarde, em buscas no Google, fiquei se sabendo que desenvolvera uma doença autoimune. Já estava melhor, porém havia passado por maus bocados. Não sei se, de certa forma, isso foi uma somatização de seu próprio jeito irascível de ser ou mero azar (karma?), o que posso dizer é quanto a mim: minha primeira reação íntima não foi de pena, nem de escárnio, mas de apreensão. O receio de que, em um possível reencontro virtual, ele estivesse pior ainda (como pessoa, não de saúde), afinal o sofrimento nem sempre é um bom professor, muito pelo contrário. No momento em que escrevo, tal encontro jamais ocorreu, mas Kevin deixara uma espécie de escudeiro em meu encalço. Chamá-lo-ei de “Jaime”. De início, achei que ele seria um adversário promissor, mais tarde percebi que jamais sairia da aba de alguém que fosse maior que ele, seja o Kevin, outro apologista, ou até mesmo todo um bando de asseclas. Não sei o que houve, mas acho que lhe dava mais excitação intelectual que crentes do Fórum Evangelho. Tal como um antagonista de cinema, passou a amar me odiar.
Nem sempre fui bem no RV e em pelo menos dois episódios levei a pior. O primeiro foi com um meteórico forista que chamarei de “Rodger”. Ele apareceu do nada, procurando diretamente por mim para uma “contenda”. Ele avisou, logo de início, que iria responder “como espírita” e eu aceitei (ou pelo menos não rejeitei) essa condição. Foi um erro fatal. Achei poderia contradizer o espiritismo com ele mesmo, mas esqueci que ele não se resume apenas ao Pentateuco kardecista. É todo um contexto criado ao longo de 150 anos, que foi lapidado para ter coerência interna. De certa forma, permiti a Rodger que fizesse inúmeras petições de princípio ao deixar que presumisse diversas hipóteses ad hoc que só eram válidas dentro de um centro espírita e as usasse como argumento. Quando tentava eu apontar para esse “pormenor”, Rodger já passava para outro assunto. Por fim, rebaixei-me ao nível dele ao postar textos enormes para que refutasse (o que não fez, claro). Quando já cansado dessas sandices, abandonei unilateralmente e deixei que tivesse a última palavra, o que deve ter deliciado uma invisível plateia. Não me lembro de Rodger ter postado mais no fórum. Uma das lições que aprendi, ruminando as mensagens daquele tópico, foi a necessidade de transcender a condição de espírita se quisesse ainda peitar a ortodoxia kardecista. A verificação de sua (in)validade estaria fora dela e os ortodoxos jamais sairão da zona de conforto voluntariamente.
O outro envolveu um forista que chamarei de Williams. De certa forma, lembrava Kevin no objetivos, porém desprovido do menor estilo. Parecia mais um hidrófobo Barnabé anticatólico, antievangélico e, moderadamente, anticético. Controlava-se lá, apenas, por estar em casa alheia, mas, para perder as estribeiras, bastavam apenas alguns cutucões. Como bom “picador” costumava também a mostrar os furos dos autores espíritas que utilizava. Contudo, e também diferentemente de Kevin, era impossível que alfinetadas evoluíssem para uma verdadeira “tourada”. A postura era mais a de um feirante a querer ganhar discussões no grito e a depreciar o argumentador, não o argumento (algo proibido na finada STR e no CC, mas liberado no RV). Quando, por fim, reparando que xingar não bastava, tomou uma medida diversiva: mandou-me falar com os próprios autores criticados por mim e (alguns) usados por ele. De nada adiantou oferecer minhas fontes para que lesse e verificasse que não estava de bravata (Kevin o faria, ao menos), só os autores originais seriam autorizados a dar a última palavra sobre os assuntos que escreveram. Sinceramente, hoje isso para mim é uma declaração tácita de derrota, pois se você não é capaz de abalizar uma posição com seus próprios argumentos ou entender o cerne dos que tomou emprestado para defendê-la, então você não passa de um papagaio a repetir o que escuta achando que as compreende. Pode-se até repetir coisas certas, mas a discussão já terá acabado para ti. Só que àquela época não tinha essa visão e, com o orgulho ferido, fui atrás de um desses escritores, no Portal do Espírito (e Williams conseguiu o que queria: tempo).
Se não tiver a menor chance, duele por procuração…
Retornei ao Portal do Espírito, só que dessa vez sem perfil fake, e sim como Cyrix, mesmo. E já cheguei atirando. Fui, primeiramente, atrás de um dos autores usados por Williams: alguém, segundo o raivoso forista, cuja réplica seria “arrasadora” e a quem chamarei de Apostol. Cheguei bem no momento quando ele destroçava um forista evangélico não muito capacitado se valendo justamente da tese da remoção da reencarnação no século VI. Ataquei-o com um dos argumentos que Williams recusou a lidar – a inexistência de um testemunho de época quanto aos fatos alegados – e o fiz de forma nem um pouco educada. Para a minha surpresa, a postura dele foi a de um genuíno “lorde inglês” e solicitou tempo para buscar tais fontes. Para isso, foi falar com outro articulista espírita – que chamarei de Klés – também utilizado por Williams e que, naquele momento, gozava de bem mais projeção que o primeiro, inclusive com uma coluna semanal em jornal de grande circulação em certo estado importante da Federação. Havia, também, outra diferença crucial entre ambos: apenas Klés havia sido criticado em meu portal, até porque apenas ele possuía obras impressas (minhas preferidas), ao passo que Apostol ainda estava se fazendo no meio virtual e como palestrante. As coisas estavam prestes a tomar uma dimensão inesperada.
Algum tempo depois (uma semana ou duas), Apostol me apareceu com a notícia de que Klés publicara em sua coluna um artigo falando sobre meu portal – com direito a link, inclusive -, mais especificamente sobre minha crítica à história de Teodora e o suposto assassinato de 500 prostitutas a seu mando como gatilho para o V Concílio e a supressão da reencarnação do cristianismo. O problema é que no exíguo espaço pré-definido de uma coluna não foi possível dar uma resposta que prestasse. No máximo, diria que foram repetidos os mesmos chavões de um modo um pouco diferente. Por outro lado, foi a maior propaganda gratuita que já recebi, incrementando muito meus acessos por quase uma semana. Redigi uma resposta a Klés no meu portal e encaminhei-lhe o link, a tréplica – se é que posso chamar assim – foi o repasse de um e-mail congratulatório de uma terceira pessoa a sua coluna. Apostol até tentou ser uma ponte entre nós, mas nada de nada adiantou: continuei sem saber quais eram as fontes dele em seu livro, aumentando as suspeitas de que tudo não passava de teoria conspiratória, boato. Não fiquei mais a incomodar Klés e Apostol deixou uma promessa vaga de averiguar os fatos daquele longínquo passado.
Após apresentar o artigo do jornal e mencionar minha troca de correspondência com os dois acima, Williams simplesmente zombou afirmando que isso não era grande coisa, dado que a querela não foi levada aos holofotes, i.e., ao próprio jornal onde Klés publicava. De início, senti-me logrado pelo “aumento da exigência” e com a sensação de estar diante de uma arapuca: levar aquele debate à imprensa de massa podia gerar consequências inesperadas com as quais temia lidar, enquanto ele ficaria ileso. Williams se aproveitou do que viu ser uma demonstração de fraqueza – ainda que ele mesmo não desse o exemplo – e tripudiou em cima com diversas acusações a mim ou à forma como redigia, não abordando argumento meu algum. Respondi a essa série de ataques ad hominem rebaixando-me ao mesmo tom que ele. Não foi um momento do qual me orgulhe de lembrar e saí realmente chamuscado. Minha participação no RV foi, a partir daí, minguando até enfim sumir. Esse fórum trocaria de servidor e nem sei se meu perfil foi migrado. Não fiz nenhuma despedida choramingona como alguns – esses sempre voltam -, simplesmente me desinteressei. Senti-me, também, desmotivado por uma espécie de “falta de corporativismo” por parte dos céticos locais, havendo quem perfilasse com Williams em alguns ataques. Fazer o quê? A briga era minha e aquele era o RV: se quiser bater, se disponha a apanhar, como Kevin descobrira de uma maneira ainda pior. Havia outros “ex-píritas” por lá? Sim, mas podiam ser contados nos dedos de uma só mão e esses poucos já não participavam muito, pois certo processo já estava em andamento: a ascensão das redes sociais.
É uma cilada, Bino!
Pode ter sido coincidência, mas acho que não postaria ativamente em fóruns por muito tempo de qualquer jeito, pois começava o fim de uma era. Os perfis do Orkut acabaram com as páginas pessoais e suas comunidades com os fóruns, drenando boa parte dos antigos foristas, só que não eles não se mudaram para criar algo análogo. Houve uma espécie de “feudalização” das relações virtuais, em que pessoas se agrupam segundo suas afinidades. Não há mais tanto do “balaio de gatos” que eram os fóruns. Em seguida, o Facebook sucedeu ao Orkut e o material discutido se perde rapidamente nas timelines. Além da concorrência, houve uma saturação dos temas. Hoje tanto o RV como o CC discutem mais política que religião ou ceticismo, pois parece que tudo já foi dito sobre esses temas e nenhum teísta ou esotérico vem trazer algo diferente, ao passo que Brasília não se cansa de fornecer “novidades”. No RV a sangria foi até maior, quer por abandono de alguns (meu caso), brigas internas (que levaram uns para o CC), ou a simples expulsão dos que eram radicais até para os padrões do RV. Alguns desses exilados fundaram um fórum alternativo – o Realidade -, que por algum tempo manteve a tradição de “arranca-rabos” até decair, também. O Portal do Espírito, coitado, hoje parece mais uma daquelas cidades fantasmas dos filmes de faroeste. Paralelamente, surgiu em terras lusitanas o Fórum Espírita, que ainda está melhor que o Portal, mas, com o perdão do trocadilho, não possui mesmo “espírito” de seu irmão mais velho.
Hoje encaro um pouco os fóruns como aqueles colégios internos ou escolas militares dos filmes de época: locais onde se faz amigos, inimigos, intrigas e muitas experiências (boas e más), contudo eles são uma fase que, após terminada, você gosta até de relembrar, porém não tem o menor desejo de voltar àquele tempo, principalmente se for no mesmo papel. Houve outras personagens que marcaram, sim, e no sentido positivo do termo. Aqui gostaria de citar seus nicks, e agora uso as versões originais ou apelidos íntimos, pois não há nada de errado em elogiar. Começando pelo Portal do Espírito: Lelê, a mãezona do lugar e uma lembrança de que os kardecistas não têm monopólio do espiritismo; Pedro, pois sei que, apesar do jeito bronco, tem bom coração; Marcelo, outro admirador inusitado do Cyrius/Ethos; Rhea, uma pequena anja adoçando a vida por lá; Aridi, sempre a cair fácil “na pilha” e proporcionando momentos engraçados; Virgílio, que tenha ido em paz e que sua memória permaneça sempre entre nós; Leafar, que teve uma paciência comigo maior do que eu merecia (e uma estranha obsessão em saber no quê eu acreditava); e Douglas, u’a mão que se estendeu a mim, mas, na época, não tinha a menor condição de aceitar. Do lado do RV, minhas lembranças para Apodman, com uma trajetória de vida com pontos em comum com a minha; Anna, sempre cheia de simpatia e conhecimentos sobre teoria da evolução (por onde andas?); FlavioChecker, todo zen e grande moderado daquela selva; Res, que sempre dizia o que ninguém tinha coragem; o “Gavião que caminha”, com sua retórica que dava gosto de ouvir mesmo quando não concordava com nada; Vitor, que marcou com os embates sobrevivência X psi; e Botanico, um espírita que se fez respeitar pelos céticos sem ser babaca (muito pelo contrário).
Às vezes, da mais dura perda e da mais amarga lição, se originam as chaves para a próxima etapa!
As Flame Wars acabaram discretamente e terminei sem nenhuma condecoração ou algo para me orgulhar. Muito pelo contrário, olhando para trás sinto vergonha de mim mesmo, de como me portei, seja com os mais fortes ou com os mais fracos. A Internet tem esse poder de liberar nossos piores instintos, mas ela é apenas uma tentação. Nossas tendências é que nos fazem ceder a ela. Contudo, esses embates me legaram um caso de estudo. Era um assunto que minha intuição dizia ter certeza de que eu estava certo e os espíritas redondamente enganados. Com o orgulho ferido, pus mãos à obra numa tarefa que seria um marco na trajetória do portal.
Um Caso de Amor e Intrigas
Antigo (1954), esquecido, não muito fiel aos fatos, cheio de licenças poéticas,
e ainda assim toda a fibra de Teodora está lá.
As brigas nos fóruns legaram um mistério para averiguar: a suposta supressão da reencarnação do cristianismo pelo casal de monarcas Justiniano e Teodora, no século VI. Em meus contatos com os evangélicos, nos tempos de faculdade, já havia reparado a irritação deles quando versículos de seu livro sagrado eram utilizados pelos espíritas de forma “heterodoxa”, apesar de terem feito algo parecido com o Antigo Testamento, há dois mil anos. Posteriormente, com meus próprios estudos, percebi que não há como a sério a ideia de que os primeiríssimos cristãos fossem reencarnacionistas, visto que possuíam uma grande urgência escatológica: para eles o mundo, tal como conheciam, acabaria ainda na geração deles, o Reino de Deus seria instaurado sobre a Terra e o Mal eliminado. Bem, assim aparece o recado em Marcos, Mateus, um pouco em Lucas, e nas (genuínas) cartas de Paulo. Ainda que houvesse, em alguns casos, retorno à carne nos moldes de certos pagãos antigos ou dos espíritas modernos, em pouco tempo não deveria haver mais nenhum. Os evangélicos estão certos nesse ponto, embora continuem tendo de explicar porque o fim não veio ainda.
Mesmo com uma constatação simples, convencer nem sempre é fácil, em especial aqueles que chamo de Barnabés, i.e., os que defendem que a ortodoxia cristã seria uma fraude história e o e espiritismo a verdadeira expressão da mensagem de Jesus e dos apóstolos. Faço isso em homenagem à Epístola de Barnabé, um pseudo-epígrafe cristão que pretendia fazer algo parecido, só que com o judaísmo. Um ponto de partida para a tarefa foi a única referência dada por autores espíritas a um cronista da época: Procópio de Cesareia. Segundo esses autores (dentre eles, Klés) esse historiador teria relatado que Teodora fora filha de um criador de ursos, usados para a diversão do populacho no “pão e circo” de Constantinopla. Até aí nada de mais ou inverídico. O problema surge quando se atribui a ela – sem uma menção direta a Procópio – a execução de 500 prostitutas da capital, antigas colegas de ofício. Teodora teria ficado com medo de expiar por esse crime reencarnando como escrava e, então, fez a cabeça de seu marido para que convocasse um Concílio cuja principal pauta era banir a doutrina da reencarnação da Igreja, junto seu principal postulante: o teólogo do século III Orígenes. E assim foi feito.
Tirando a origem do meretrício, nada disso tem base documental. Aliás, Procópio relatava algo diferente: Teodora teria trancafiado 500 prostitutas num convento chamado Arrependimento. Algumas teriam morrido ao tentar escapar de lá, descendo pelas muralhas. E só. Contudo, isso dá margem a divagações como as hipóteses de que as internas eram maltratadas, mortas longe dos olhos e ouvidos da capital, ou simplesmente preferiam uma vida de incertezas a um noviciado forçado. De qualquer forma, não havia nenhuma vinculação disso com o II Concílio de Constantinopla e nem poderia: Teodora morrera em 548 d.C., cinco anos antes. Como até mesmo encontrei espírita apelando com a tese de Teodora ter agido como obsessora do marido na erraticidade, não houve outro jeito senão buscar quais foram as reais causas do referido Concílio e da suposta condenação de Orígenes.
Encontrei várias referências para fontes primárias sobre o assunto se encontram no artigo Orígenes e Origenismo. O problema, como quem acessá-lo poderá perceber, é que ele faz parte da Catholic Encyclopedia, uma fonte totalmente confessional. Alguns autores espiritualistas já a utilizaram assim mesmo, quando ela parecia lhes corroborar, mas isso não seria argumento aceitável por muitos, não importando quão boa fosse a qualidade do referido artigo (e é bom). Portanto, decidi me debruçar diretamente sobre as fontes indicadas, começando pela mais extensa delas: A Vida dos Monges da Palestina, de Cirilo de Citópolis. Comprei o livro e fiquei tentado simplesmente a escanear e disponibilizar os capítulos de A Vida de São Saba. O problema era que estava tudo em inglês e um dos murmúrios constantes dos apologistas que evitam “olhar para fora da caverna” era justamente a ignorância desse idioma (ou de qualquer outro). Arregacei as mangas e me pus a um trabalho paciente de tradução. Como já havia falado de Procópio e a questão de Teodora em um artigo do portal, criei um novo: Contendas do Deserto, em alusão às batalhas ideológicas (e físicas) entre os monastérios do deserto palestino do século VI.
Foi interessante ler sobre a instalação dos primeiros origenistas bem embaixo das barbas de Saba em um dos mosteiros por ele fundado – o Nova Laura – e sua súbita expansão após sua morte (532 d.C.). Seu biógrafo se esmerou por realçar suas qualidades pias, contudo pode ter equivocadamente passado a impressão de frouxidão. Cirilo até relata que Saba apresentara sua preocupação com o origenistas (e outros grupos heréticos) diretamente ao imperador Justiniano, que aparentemente nada fez contras os insubmissos na ocasião. Curiosamente, Saba peitou a imperatriz Teodora recusando-lhe dar uma bênção para engravidar.
“Não me lembro de nada disso nos clássicos greco-latinos“
Somente após os origenistas palestinos partirem para a uma campanha de conquista de “corações e mentes” nos mosteiros da região é os ortodoxos buscaram apoio em Constantinopla, desencadeando o Sínodo de 543 d.C., que não passou de uma condenação protocolar. Os dez anos seguintes marcaram o apogeu do partido origenista da região, quando conseguiram manobrar massas para encurralar os ortodoxos em poucos redutos ainda fiéis. Apenas quando surgiu uma nova e firme liderança, aliada a um cisma entre os origenistas – com muitos deles retornando à Igreja – é que se iniciou a reação da ortodoxia. Por fim, outra vez a questão foi levada à capital, aproveitando-se do V Concílio, em pleno andamento. O origenismo fora condenado mais uma vez e, agora, com uma ação militar que desalojou os insubmissos de Nova Laura.
Li uma versão fatos um pouco diferente em outro cronista – Liberato de Cartago, também apresentado pelo mesmo artigo da Catholic Encyclopedia. Nela, o pedido de condenação a Orígenes em 543 não teria ido diretamente dos clérigos palestinos para Constantinopla, mas teve um intermediário – Pelágio, o “embaixador” da cúria romana em Constantinopla – que viu numa condenação a Orígenes a oportunidade para se vingar de um bispo da Ásia Menor: Teodoro Ascidas. Esse, além de origenista, também era monofisita, uma heresia cristológica que incomodava Roma. Pelágio conseguiu o que queria, mas Ascidas deu respondeu à altura: como o sínodo de 543 abriu precedente para anatematizações póstumas, ele sugeriu ao imperador que condenasse as obras de três teólogos acusados de nestorianismo (um deles antigo opositor de Orígenes) e assim angariar a simpatia dos monofisitas (cuja cristologia era incompatível com a dos nestorianos) e fazê-los voltar à comunhão com a Igreja. Com o auxílio de ninguém menos que a imperatriz Teodora (também monofisista), Ascida conseguiu seu intento. Contudo, apesar de realmente, sob um olhar posterior, terem flertado com o nestorianismo, esses teólogos morreram em paz com a Igreja; o que levou à rejeição do decreto imperial por muitos bispos. Começava a Questão dos Três Capítulos, a principal razão para a convocação do II Concílio de Constantinopla.
Ainda traduzi um pequeno trecho do tratado Em Defesa dos Três Capítulos, do bispo norte-africano Facundo de Hermiano, que, junto com Liberato, demonstra que a Igreja Latina não se importava nem um pouco com os origenistas, aliás, até se irritou com a confusão por eles provocada.
Apenas com esse (imenso) material, já era possível dar ao público uma boa ideia do que aconteceu tanto em Bizâncio como na Palestina do século VI, só que isso não era o bastante. Precisava destrinchar como a situação chegara àquele estado de contendas. Já havia descrito alguns vislumbres portal, baseado numa tese redigida em inglês pela Igreja Copta do Egito intitulada Deans of The School of Alexandria, cujo segundo volume trata de Orígenes. Decidi aprofundar um pouco mais a questão indo atrás das fontes por eles utilizadas e um nome muito citado era o de Henri Crouzel, um jesuíta francês e professor na Pontífica Universidade Gregoriana de Roma. Crouzel fez, de fato, uma pesquisa ampla e profunda, mas é preciso tomar certo cuidado com ele. Uma coisa é reconhecer que Orígenes tomou liberdades numa época em que a ortodoxia cristã ainda não estava plenamente definida em determinados pontos, outra é achar que tais liberdades ainda poderiam ser tidas por razoáveis numa época posterior. Houve um Pai da Igreja chamado Pânfilo, do começo do século IV, que procurou o mais possível apresentar o pensamento de Orígenes como ainda válido para a ortodoxia da época de Niceia e o que não fosse aproveitável seria obra da corrupção de seus escritos por hereges ou de uma leitura enviesada deles. Pânfilo fez escola nos séculos IV e V, legando dedicados defensores da memória de Orígenes, como Rufino, e Crouzel (falecido em 2003) é seu mais recente herdeiro. Procurando um estudo um pouco, digamos, menos “entusiasta”, deparei-me com The Origenist Controversy, Elizabeth Ann Clark. Já sabia, pela Catholic Encyclopedia, que houve duas “crises origenistas”: a segunda é a que os escritores espiritualistas adoram apontar com “a supressão da reencarnação no cristianismo”, sem o menor conhecimento do assunto, a primeira é geralmente desconsiderada por eles. A Catholic Encyclopedia a apresentava como um difuso embate entre teólogos dos séculos IV e V; precisava, portanto, aprofundar-me mais sobre esse período.
Foi uma frustração inicial seguida por grata e impressionante surpresa. Não encontrei nada acerca do Orígenes de carne e osso que viveu na Alexandria do século III, nem sobre os conflitos na Palestina do século VI. Ainda que não fossem da proposta do livro, mereceriam uma abordagem maior. Por outro lado, devo reconhecer que The Origenist Controversy é uma obra acadêmica feita para acadêmicos, ou ao menos estudantes; ou seja, gente que já conhecia algo do assunto, para os quais ela preferiu não repetir pormenores que já esperava que soubessem. Isso permitiu que ela focasse no período que vai do século IV a meados do V e daí que veio minha surpresa: não imaginava que daí viriam tão ricas discussões a respeito do velho Alexandrino. Para ser sincero, pouco se debateu acerca do Orígenes histórico, mas de como ele era lembrado por suas especulações numa época de consolidação do cristianismo como religião oficial. Assim, todos que procuravam estar do “lado certo” do pensamento religioso acusavam os adversários de alguma heresia; e um lugar comum se tornou a acusação de ser “origenista”, pouco importando se Orígenes concordaria com o acusado. Mal comparando, seria como alguém nos anos 60 do século XX ser tachado de comunistas por apenas demonstrar alguma preocupação com a questão social. Do outro lado, estavam os partidários de Orígenes tentando explicar que os verdadeiros hereges faziam mal uso do seu teólogo preferido. Chegou-se ao cúmulo de um mesmo texto seu poder ser usado tanto contra como a favor de sua reputação. No final, excetuando Pelágio e seus seguidores, nenhum dos antiorigenistas adversários conseguiu dar uma resposta à altura da dele para a questão do Problema Mal: o porquê de um Deus Bom ter criado um mundo de sofrimento. O melhor que se conseguiu foi a doutrina do “pecado original” de Agostinho de Hipona, que, de certa forma, é um leve origenismo, como observou a autora. Enfim, o II Concílio de Constantinopla empalidece diante da efervescência intelectual (e política) de 150 anos antes.
“Go, Theodora! Go!“
Percebendo a complexidade do tema “Orígenes e Origenismo”, decidi fazer toda uma revisão profunda em torno do tema. Aproveitando-me de um câmbio monetário um pouco mais favorável, maltratei meu cartão de crédito como nunca em livrarias virtuais – como Amazon, Abe Books e Alibris – atrás muitas vezes de livros raros e/ou esgotados, cuja existência soube por meio de obras mais acessíveis. No rol das aquisições estavam exemplares da série Origeniana de colóquios, traduções inglesas de Orígenes mais recentes, confiáveis e comentadas que as já de domínio público da Internet, estudos sobre a teologia de Orígenes, obras de bizantinólogos famosos do passado (como J. B. Bury) e da atualidade (James A. S. Evans), biografias de Teodora, fontes primárias disponíveis apenas em livros físicos (como Crônicas, de João Malalas) e estudos sobre a evolução do cristianismo, em particular sobre o período do século IV ao VI. De posse de todo esse material, propus-me ao seguinte plano de desenvolvimento:
- Um sumário das teses de Orígenes, em especial sua teodiceia e soteriologia;
- O surgimento do “Orígenes lembrado” nos séculos IV e V que, no meio do cabo de guerra entre detratores e apoiadores, começava a se distanciar do indivíduo de carne e osso que andou pela Alexandria do século III;
- O superorigenismo dos místicos do deserto dos séculos V e VI, codificado no desconhecido e impressionante Livro de Hierotheos. Sinceramente, depois de ler suas páginas tenho certeza de que os espíritas não têm a menor, a mais ínfima noção do que estava em jogo ao se lamentarem pelo V Concílio;
- Uma apresentação do meio ambiente onde o origenismo e suas crias se evoluíram: o império romano em progressiva cristianização declínio, até a queda de sua metade ocidental ante os bárbaros;
- O pano de fundo em que a segunda crise origenista: o reinado de Justiniano no Oriente e sua tentativa de restauração de um império ao redor de toda orla do Mediterrâneo, unido espiritualmente por uma fé única e monolítica;
- Uma apresentação à imperatriz Teodora. Sinceramente, uma das maiores calúnias já feitas pelos movimentos espiritualistas foi contra esta pessoa. Já vi discretos alertas para que se interrompessem as acusações sem base, mas ainda estou por encontrar um sincero mea culpa por parte deles;
- Apresentação das fontes primárias da questão da prostituição e do tráfico de escravas sexuais no governo de Justiniano;
- Exposição das análises feitas por historiadores modernos (Paolo Cesaretti, J.A.S. Evans, etc.) sobre as duas questões acima e a conclusão: Justiniano e Teodora tentaram inicialmente extinguir o tráfico sexual por bem – comprando a liberdade das cativas e indenizando seus “credores” -, para depois, vendo que essa abordagem não surtira efeito, combater ferozmente traficantes e rufiões, ao passo que tentaram proteger as prostitutas, ainda que não da melhor forma;
- Apresentação das fontes primárias para o V Concílio Ecumênico. Exceção feita para o imenso relato de Cirilo de Citópolis, que é apenas descrito no corpo do texto e posto integralmente em um dos apêndices;
- Exposição de análises de historiadores (e de um espiritualista que estudou ao menos um mínimo) sobre o desenrolar dos fatos do V Concílio;
- Análise pormenorizada dos anátemas do sínodo de 543 d.C. e os do V Concílio para averiguar suas reais relações com as ideias originais de Orígenes ou com as de seus continuadores;
- Averiguação do real impacto da condenação de Orígenes no V Concílio na História do cristianismo. Resposta: nenhuma, pois o origenismo já não fazia mais parte da corrente principal dos cristianismo havia tempos;
O estudo foi publicado de forma folhetinesca, o que deu tempo para uma resposta espírita. Embora eu tenha visto uma considerável e positiva mudança de opinião, velhas práticas entre os autores espíritas persistiam, com nenhuma literatura especializada no Alexandrino sequer, muito menos a leitura direta de Orígenes ou de cronistas bizantinos. O próprio biógrafo de Teodora usado – Carlo Maria Franzero – estava mal traduzido em sua edição brasileira. Adicionei mais um capítulo rebatendo esses comentários e decidi incluir mais outros dois que foram frutos de um amadurecimento ocorrido durante a pesquisa. Primeiramente, houve a constatação de que Orígenes, Teodora e o V Concílio compunham, na verdade, um “mito auxiliar” para complementar outro mito, o de que o cristianismo primevo era uma espécie de protoespiritualismo, isso, sim, fundamental a muitos espíritas. A necessidade de mais um mito advinha de uma pergunta quase natural provocada pelo primeiro: “se a reencarnação estava entre os ensinamentos do cristianismo, por que foi abandonada?” Um curso alternativo da História – em que Orígenes chegasse inconteste ao século VI, Teodora agisse como louca sanguinária e a anatematização da preexistência fosse a questão central do V Concílio – viria bem a calhar.
– Oh, “Justi”, não sabia que você era tão galante!
– É que andei lendo Ovídio fim de semana passado, querida.
O primeiro acréscimo girava em torno de um ensaio do historiador britânico Eric Hobsbawm (“Dentro e fora da História“) sobre diversas tentativas de políticos, ideólogos e religiosos de moldar o passado à própria imagem e semelhança. Sua maior sacada está aqui resumida:
O passado legitima. O passado fornece um pano de fundo mais glorioso para um presente que não tem muito o que comemorar.
Uma síntese que cai como uma luva para as mistificações em torno do V Concílio. O segundo “extra” foi uma busca pelo real passado do cristianismo, pelo que as primeiras gerações de cristãos realmente ansiavam. Ajudou-me nisso o “maior biblista do mundo” (aspas, pois são palavras de Klés) Bart Ehrman, que em seu livro Jesus: Apocalyptic Prophet of the New Millennium (sem tradução em português, creio), expôs o caráter apocalíptico da mensagem evangélica, que me convenceu. Sei que existem outras visões quanto ao Jesus Histórico, mas mesmo esses pesquisadores alternativos (como os do Jesus Seminar) concordam que João Batista, Paulo de Tarso e a comunidade marcana foram apocalipsistas. Aí que está o X da questão: se os primeiros cristãos acreditavam que o cosmos, tal como o conhecemos, chegaria a um término em pouco tempo com a instauração do Reino de Deus, então a reencarnação perdia a razão de ser. Foi esse contexto histórico que me propus a resumir no segundo extra.
Encerrei o estudo falando sucintamente do destino do Império Romano do Oriente no longo prazo, com o sonho de Justiniano de um novo Mare Nostrum destruído por sucessivas invasões, bem como o de uma Igreja unida sob o Patriarcado de Constantinopla. Nesse caso, o movimento monofisita prosseguiu firme e forte na Síria e no Egito, onde se beneficiou imensamente da conquista islâmica. Contudo seus libertadores terminaram por asfixiar lentamente os antigos protegidos de Teodora, em razão de um fluxo contínuo de conversões ao Islã. Se por um lado esses dois sonhos se extinguiram como o fogo de uma vela, também terminou gradualmente o pesadelo Orígenes. Redescoberto no Renascimento, suas apologias e comentários remanescentes o reabilitaram no seio da Igreja Católica, que hoje apenas deixa de lado seu papel de “teólogo investigativo”. Muito de sua obra se foi, com certeza, mas o resta ainda é impressionante. Lê-lo é como visitar um sítio de ruínas da Antiga Roma: tem-se a sensação paradoxal de se estar diante de uma grandeza ao mesmo tempo perdida e perene.
No total, foram quase três anos de trabalho exclusivos sobre o tema (novembro de 2007 a setembro de 2010), do quais não desenvolvi nenhum outro grande assunto no portal. Pelo contrário: esse artigo é que serviu de base para o aperfeiçoamento dele. Foi algo que me encheu de orgulho por ter feito o que ninguém da intelligentsia espírita se dispusera até então, aliás, eu acabara por realizar um serviço que deveria ter sido deles. Meu portal, que antes apenas catalogava e listava erros, pela primeira vez estava agregando conhecimento aos que o liam. Não chegou a ser uma pesquisa genuína – afinal nada de original foi apresentado sobre o tema -, mas senti que quase esgotara o material disponível sobre a questão. De certa forma, ficou faltando uma coisa: descobrir de onde surgiu o boato, algo um tanto difícil sem a colaboração dos espíritas que o repassaram, e não querem me ver nem pintado de ouro.
– Que cara é essa, meu bem?
– Tive um sonho horrível: parecia que, num futuro distante, uma seita falaria mal de ti…
– Ah, querido! Você sabe como as seitas são: sempre querendo se apropriar do passado alheio.
– Hehe, tens razão.
Por mais que neguem, o boato desmascarado em Contendas do Deserto é um equivalente espírita do Homem de Piltdown dos biólogos. Não chegaram a abalar, respectivamente, os pilares do espiritismo (como gostariam muitos cristãos fundamentalistas), nem os da Teoria da Evolução (idem), porém demonstram o quanto de credulidade podem existir entre os “adeptos da razão”. A única diferença a apontar é que os próprios cientistas detectaram a fraude de Piltdown, ao passo que para o V Concílio e a reencarnação foi necessária a intervenção de um “detrator”. Nenhum biólogo mais tenta salvar as aparências daquele fóssil forjado, já quanto à história do V Concílio Ecumênico…
Esse trabalho me encheu de orgulho, o que, no fim das contas, não me foi muito benéfico.
Uma Descida ao Abismo
– Say my name!
– Cyrix.
– Goddamn right!
Durante o período de redação de Contendas do Deserto, encerraram-se as atividades do GeoCities, que fora incapaz de concorrer com o formato blog e outras modalidades de hospedagem. Migrei para o domínio “6te.net” e adotei o livro de visitas da DreamBook, o que foi muito bom, pois tinha agora um endereço mais enxuto e uma caixa de comentários eficiente. Paralelamente, afastei-me dos fóruns, postando uma ou outra trivialidade ocasionalmente em intervalos espaçados. Produzi até um boletim de atualizações numa área reservada do fórum Portal do Espírito para postagens “do contra”. Salvo uma forista, ninguém demonstrou maiores interesses. Contudo “não demonstrar” não significa “não possuir”, pois encontrava meus textos pela Internet afora. Um caso curioso se deu no fórum Ex-testemunhas de Jeová quando um forista, que, por sinal, havia conhecido do Portal do Espírito, usou meus textos sobre Orígenes, admitindo que era de “um site contrario ao espiritismo“, porém sem dar nenhum link para a fonte. Citava-me porque concordava parcialmente com ele, apesar de nossas diferenças, mas por que não me referenciava? Talvez para não aumentar o número de referências ao meu portal em motores de busca, ou uma simples referência seria como abrir uma “Caixa de Pandora” cheia de questionamentos embaraçosos. Senti-me como o vilão de Harry Potter, Voldemort: “Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado”. Só de provocação, cadastrei-me apenas para postar os links omitidos.
Finda a publicação de Contendas…, comecei a colher os frutos de um serviço bem feito. Era progressivamente mais citado na rede social Orkut que, com suas comunidades, havia substituído boa parte dos fóruns independentes e decidi acelerar o processo. Dessa vez, porém, não me envolveria em discussões propriamente ditas. Repetindo o que fizera no Ex-testemunhas…, buscava por discussões onde houvesse alguma menção a Teodora e Orígenes, lançava nelas o link para minha criação e deixava os contendores locais se digladiarem. Assuntos como “Teoria da Beleza” e vida extraterrena também eram bem prolíficos em acirradas flame wars.
– Mais um artigo pronto!
– Yeah, Mr. Cyrix, science!
Por essa época, tomei conhecimento que, pouco tempo antes, Klés lançara um livro com uma coletânea dos artigos de sua coluna. A crítica ao meu portal era logo uma das primeiras. Se eu já desfrutara de meus 15 minutos de fama anos antes em terras mineiras, agora podia já sonhar com alguma nota de rodapé na trajetória do espiritismo brasileiro. Aos poucos, o vaticínio que fizeram sobre meu pai se cumpria em mim, ainda que de uma forma bem torta. De certa forma, ajudei-o comprando um exemplar do livro e lhe reservando um lugar de destaque em minha estante, aberto justamente na página de meu interesse. Era estranho, mas esse reconhecimento a contragosto afagava meu ego como nunca e me desconfortava ao mesmo tempo. Algo como almejar a fama de um gangster: que me quisessem mal, contanto que falassem de mim.
No mundo real, paguei com frieza o desdém que recebi julguei receber nos meus tempos estudantis: qualquer pedido de ajuda dos familiares ainda envolvidos com o espiritismo era simplesmente desconsiderado se envolvesse assuntos dos seus respectivos centros. Mesmo a jantares beneficentes – com direito a churrasco e show de mágica – recusei-me atender. Havia particularmente um parente adepto de métodos coercitivos de “motivação” – uma semelhança flagrante entre religiosos e mafiosos – e, irritado com minhas negativas sucessivas, passou a me intimidar com insinuações de que uma temporada no umbral me purgaria de meu egoísmo. Engoli sapo uma ou duas vezes até que respondi com veemência: “Com certeza seria muito bom, pois assim ficaria livre e longe de hipócritas com você!” Ainda bem que havia mais pessoas por perto para acalmar os ânimos na ocasião.
I’m not in danger. I am the danger!
Meu campo de atuação até ensaiou se expandir um pouco, ocorrendo, inclusive, um convite de V. para fazer parte de um grupo de estudo da “hipótese sobrevivência”; algo que, em tempos modernos, representaria melhor o espírito (com o perdão do trocadilho) dos investigadores da segunda metade do século XIX e do começo do XX. Aproveito aqui a oportunidade para tecer minha desculpa a V. por não ter sido lá um membro dos mais atuantes. Embora eu reconheça a importância da iniciativa, simplesmente era uma área que não me empolgava. Cheguei a colaborar com a revisão da tradução de uma obra do final do século XIX – um estudo sobre a médium Leonora Piper -, mas minhas energias estavam focadas em projetos mais pessoais. Basicamente, ambicionava transformar Contendas do Deserto em livro. Não seria tarefa fácil, pois teria de situar o leitor no contexto do problema do revisionismo histórico do espiritualismo moderno e daí mostrar o que aconteceu de forma didática. A “didática” era o X da questão, afinal, não podia simplesmente tascar as inúmeras citações de pesquisadores e fontes primárias tal como fizera na internet. O objetivo não era mais esmagar apologistas e, sim, instruir e seduzir o leitor com uma história contada com minhas próprias palavras. Decidir o que deixar, o que tirar não era nada fácil, mas ainda assim continuava motivado: era uma chance que vislumbrava de sair de trás da tela e assumir meu nome verdadeiro, além de minha descrença, em grande estilo. Bem diferente do que meramente colocar em meu cartão de visitas o link para um portal especializado em catalogar erros e bancar o chato. As coisas não saíram exatamente como planejado, contudo.
Um baque veio numa reunião em família. Conversa vai, conversa vem, caímos no “assunto” remoção da reencarnação na Bíblia pela Igreja Católica. Sim, espíritas, new agers e ascensionados também possuem seus carolas, a se esquecem de que outros assuntos e, principalmente, outras vivências religiosas existem. O boato, daquela vez, mudara de Concílio, retrocedendo uns duzentos anos para o de Niceia. No caso, a remoção da reencarnação teria se dado pela escolha de um cânon livre de referências a ela, algo ao estilo O Código da Vinci. Tentei me conter, mas chegou a hora me que não suportei mais ouvir tamanha quantidade de abobrinhas e perguntei se alguém lera realmente as atas de tal Concílio. A composição do cânon sequer foi assunto tratado lá! Aproveitando a oportunidade de eu ter me manifestado, aquele parente com quem discutira antes voltou a provocar, insinuando não querer eu mais do que bancar um sabichão metido a historiador. “Antes isso que um ignorante como você” e comecei a relatar diversas das imposturas espíritas que havia catalogado ao longo dos anos, tudo cobrando explicações que ele era incapaz de fornecer. E jamais forneceria, afinal a discussão foi interrompida quando uma série de gemidos oriundos de um canto da sala chamou a atenção dos presentes, que, em seguida, lançaram seus olhares de reprovação em mim.
Eu tinha acabado de fazer alguém chorar.
Tentei, em vão, retratar-me, e, por fim fui, convidado a me retirar. Voltei para casa mais silencioso que um túmulo. Por dentro, ressoavam em meu ouvido o riso de meu desafeto e o choro de alguém que poderia muito bem ter dormido sem esse freak show. Naquela noite, o primeiro me incomodou mais; ao fim de uma semana, era o último. Era uma experiência que não os fóruns não podiam dar: a existência de alguém do outro lado da tela. Enquanto matutava sobre isso, eis que em minha caixa de comentários aparece Jaime – o subalterno de Kevin – cobrando que eu escrevesse algo sobre Elias e sua (suposta) reencarnação em João Batista. Dei-lhe como resposta algo que nas redes sociais de hoje poderia até ser chamado de “textão”, mas cujo efeito foi simplesmente o de lhe irritar. Ele insistia ad nauseam numa resposta binária para a questão, sem se mancar de que não falava com um crente. Para meu desgosto, um pequeno e infrutífero debate surgiu, sendo que no meio dele aparece uma curta mensagem de “Douglas” me atacando. Seria aquele mesmo Douglas que quis me ajudar durante minha “infiltração” no “Portal do Espírito”? Não conhecia outro, o fato de os dois estarem juntos não seria mera coincidência. Então, por que estava tão diferente? O que Kevin e seus asseclas fizeram com ele? O que eu fiz a ele?
A conversa acabou por pura saturação, como tantos outros embates sem mediação. Não julgo que fui mal, mas estava arrasado. Era esse tipo de gente que eu atraía: hipócritas querendo aumentar seu valor diminuindo o dos que lhes cercam, nanicos ambicionando parecerem mais altos me usando como escada e ex-empáticos transformados em inimigos? E quanto a quem eu repeli … ou magoei – mesmo não nunca tendo visto a vermelhidão em seus olhos -, que ganhei com isso? Por que Falhas do Espiritismo deveria continuar a existir, se tinha caído a ficha de resultados tão chifrins?
Por alguns dias, tirei o portal do ar. Precisava encontrar ao menos algumas respostas.
O Livro que Ninguém lerá
Afinal, o que é o sucesso? Sucesso para quem?
Foi uma espécie de crise existencial em menor escala. Pretendi bastante com o portal e, como uma facada no ego, não tive o retorno esperado. Sem contar que ele me tomava tempo, sim, o único ativo neste mundo que é irrecuperável; desperdiçado com algo que não me dava dinheiro, nem contatos (por uma postura minha), e que poderia ser gasto no convívio com os meus, aperfeiçoando-me profissionalmente, ou, simplesmente, em bons e saborosos momentos de ócio. Tentei me desintoxicar à maneira que diversos tabagistas tentam largar o cigarro: abstinência radical o quanto puder, porém sem direito a adesivos de nicotina. Tal como muitos deles, falhei miseravelmente. Não eram só os pensamentos a respeito dos artigos que ainda queria escrever, mas também uma reflexão sobre os já escritos: eram rasos, sem nada acrescentar além de apontar erros. A única exceção era Contendas do Deserto, mas mesmo ele não me agradava mais tanto assim. Seu crescimento um tanto desordenado, as misturas de pedantismo e falas coloquiais, além do fato de, no afã de ser exaustivo no tema, ser capaz de exaurir quem o lesse; davam-me vontade de refazê-lo do zero. Era, em parte, a proposta do livro que planejava escrever, mas se agora já não tinha tanta motivação, constatava que não tinha condições para redigir algo que prestasse. Seria uma versão cética dos mesmos sujeitos que criticava.
– Suas notas foram horríveis!
– Graças ao senhor, mestre!
Eu precisava me reinventar se não quisesse perecer ante à malícia externa e ao inferno interior que eu mesmo criei. Começando pela casca, abandonei o formato “puro html” do “6te.net” – que já estava irritando com seus anúncios e pop-ups – e comecei a migrar meu conteúdo para um blog do WordPress. Escolhi um tema elegante e enxuto, pagando por um domínio “.org” para possuir um link mais compacto e me ver livre de propagandas. Enfim, o novo “Falhas do Espiritismo” tinha de ser agradável à visão do leitor. Como lema, subintitulei-o com os dizeres “entender, desconstruir, reconstruir“. Sim, confesso que o plagiei de uma animação japonesa – outro escapismo meu – e não me envergonho: tinha tudo a ver com a nova proposta, embora o contexto fosse outro.
Primeiramente, entender por que uma falha, equívoco, engano, etc. ocorre. Todo erro tem uma história para contar, as motivações de seus personagens, o ponto de partida que tiveram, as bifurcações com que se depararam e, claro, as escolhas que tomaram. A escola nos dá a ilusão de um progresso linear do conhecimento quando, na verdade, aquilo que chamamos de Ciência deveria ser apelidado de “cemitério de ideias”: uma imensidão de equívocos oriundos de uma eterna “bateção” de cabeças. Kardec estava preso no século XIX, então o que era tido por científico naquela época? Quais eram os principais programas de pesquisa, suas dúvidas e escolas concorrentes? Simplesmente apontar-lhe erros é não deixar ao cidadão do Segundo Império Francês a oportunidade de falar por si mesmo.
– Por que não consigo tocar esta passagem?
– Você está com tanto medo de errar que se esquece de se divertir.
Existe, também, o atemporal fator humano. Os que dão ao Codificador o atributo de “Bom Senso Encarnado” mal têm ideia do quão há de enganoso nesse título. Podemos ser tudo, menos genuínos animais racionais capazes de discernimento imparcial. A Emoção e a Intuição são as verdadeiras molas mestras de nossa existência. Aquilo que chamamos de “racionalidade” é apenas uma ferramenta a serviço dessas duas; que pode usada para arranjar comida, traçar estratégias com o inimigo, alcançar status num grupo, codificar uma nova doutrina ou escrever um blog. Enfim, a razão serve para descobrir a melhor maneira de dar vazão a nossas fortíssimas paixões. Kardec, Léon Denis, “Klés” e “Kevin”, nenhum deles esteve imune à própria condição humana que lhes antolha a vista, dá falsas heurísticas, muitas convicções e poucas provas. Tudo metodicamente explicado e justificado. Entender por que caímos nessas armadilhas com o devido cuidado para não tropeçar em outras é um outro desafio do “entendimento”.
Já desconstruir é um pouco mais complicado. Isso poderia até ser um sinônimo pós-moderno para “crítica construtiva”, se não fosse o problema de inexistir tal coisa. Afinal de contas, toda crítica visa destruir. Por outro lado há destruições e destruições: pode-se usar dinamite para explodir uma construção ou retirar-lhe tijolo por tijolo. Isso implicou, para mim, em revisar cada um dos artigos. Como não gostaria mais de ferir corações sensíveis, reduzi bastante o grau de ironia e sarcasmo (para não dizer deboche, mesmo) que um dia aqui abundou. Alguns comentários continuam a apontar a presença de um tom que lhes desagrada. A seus autores, respondo que já foi bem pior.
– Professor, é o seguinte: todos os livros que concordam com a Codificação são desnecessários, os que discordam são horríveis, então…
– Pode parar, rapaz! Na última vez que alguém falou algo assim, começou a Idade das Trevas.
Por outro lado, não tenho a menor intenção de proteger egos sensíveis. Até porque seria muita pretensão querer estar de bem com todo mundo, ainda mais quando credibilidades são postas em xeque, reputações questionadas, falta de solidez nos argumentos evidenciada e, principalmente, as “vacas sagradas” de muitos são transformadas em churrasco. Por mais que eu tente separar as pessoas de suas obras, é difícil alguém não se ressentir. Ou que um terceiro tome suas dores e tente justiçá-lo. Em ambos os casos estão envolvidos sentimentos de vergonha e humilhação, quer contra si mesmo ou contra a comunidade à qual pertence.
Já me apoquentei um bocado com tal situação, mas hoje estou mais tranquilo e até me divirto um pouco. Reparei, muitas vezes, que suas reações não são contra mim, mas direcionadas a uma visão distorcida que tem a meu respeito. Uma caricatura mais fácil de responder, carente dos pontos mais espinhosos apontados pelo original, cujas críticas objetivas sequer são ao menos explicitamente enunciadas em diversas ocasiões. Assim é tão mais fácil…
– Nosso grão-mestre-articulista-mor vai acabar contigo!
– Quando ele aprender a interpretar textos, quem sabe…
Se apenas ficasse refutando textos como na época dos fóruns, jamais partiria para reconstruir. Para tanto, posso dizer que Contendas do Deserto me ajudou, não exatamente com seu material, mas como modelo. No princípio, não fazia coisas muito diferentes das que encontrei no fatídico O Império das Seitas: catalogar erros e zombar. Com os próprios pressupostos que assumi acima, decidi partir em busca das histórias por trás desses erros – em que pé estava a ciência vitoriana, o que significava ser cristão no tempo dos apóstolos, a razão de certas opções equivocadas serem tão sedutoras, etc. – para depois analisar porque é tentador se apropriar de um passado que nunca existiu numa forma de autoafirmação. Acredito que, não só para o espiritismo como para qualquer filosofia ou ideologia, será mais producente buscar uma identidade própria mirando no futuro, no lugar de sair atrás de uma mítica “Era de Ouro” ou “Paraíso Perdido”.
Em seguida, cada artigo, quando possível, deve vir com uma explanação sobre o que é agora considerado o certo e por quê. Parece simples, mas nem sempre o é, afinal, pela nossa educação escolar, temos a ilusão de um desenvolvimento linear da ciência, numa acumulação de conhecimento sempre crescente. Pouco se fala dos “becos sem saída” ou das ideias estapafúrdias outrora respeitáveis, embora constituam grossa parte do que a humanidade já pensou. Enfim, é preciso “contar histórias” de forma simples sem perder o rigor, o que acrescenta mais um desafio a ser vencido. O resultado final são artigos, em média, bem maiores, uma redação melhor elaborada e um intervalo bem mais longo entre um artigo concluído e outro. Sem contar que brindo meus leitores com uma bibliografia bem mais profunda e farta ao final de cada artigo, para que possam prosseguir com seus próprios pés.
– Me disseram que, quando o espiritismo concorda com a Ciência, só fica demonstrado o quanto ele é demais. Quando discorda, é porque a Ciência é algo falível.
– Já entendi porque você voltou aqui para aprender os passos básicos de Ciência.
Paulatinamente, os resultados começaram a surgir na forma de retornos positivos de meus leitores. Poucos, mas ainda assim significativos comentários interessados – como o seu – indicam que meu novo direcionamento ao menos é melhor que o anterior, pois nos tempos do GeoCities eles praticamente inexistiam: ou eram críticas iradas de espíritas ressentidos ou elogios de fanáticos cristãos “tradicionais” e céticos militantes. Houve, inclusive algumas propostas de parcerias, locais de hospedagem e até financiamento para publicações. Alguns declinei polidamente, outros (desculpem) sequer respondi. A todos digo, agora, que Falhas do Espiritismo é um projeto pessoal e intransferível: é minha forma de vivenciar a religiosidade e desejo plena liberdade nisso, mesmo que implique em tocá-lo sozinho. Não é por mal, nem por esnobismo, apenas prefiro as coisas assim. Há outras formas pelas quais posso ser ajudado, sem que eu me sinta afetado por riscos de ingerências.
– Venha comigo, professor. Com minha voz e sua música seremos uma dupla imbatível.
– Desculpe, querida, mas acho que isso vai dar ruim. Muito ruim.
Infelizmente, em uma coisa vou te decepcionar: jamais irei muito a fundo na tarefa de reconstruir. Justamente por minha postura de “lobo solitário”, o trabalho se torna gigantesco demais para mim, e nem Kardec fez tudo sozinho. O máximo que pretendi fazer é um pouco de terraplanagem e fincar alguns alicerces para os que viessem a auxiliar os que realmente estivesse a fim. Só isso já consome tanto de meu “tempo inútil” (como dizia o utilíssimo Kevin) que desisti de redigir meu ambicioso livro. Contudo, ainda sonho que ele seja concluído, não por mim exatamente, mas por todos aqueles leitores a quem eu conseguir cativar. Quero que ninguém passe por aqui ileso, que sentimentos de amor e ódio permeiem a todos, nunca a indiferença. Assim terei marcado seus corações de alguma forma. Tal como na parábola do semeador, sei que a maioria das sementes que eu lançar em nada dará, porém cruzo os dedos desejoso em viver o suficiente para topar pelas andanças da vida com algumas das que vingarão.
“Humm, conheço essa ruiva de algum lugar…”
Também sei que muitas delas serão ervas daninhas loucas para me envenenar lentamente. Fazer o quê: ao arrancar ídolos de pedestais é óbvio que seus adoradores iriam gemer, ainda mais quando caem em cima deles. Não há muito o que fazer quanto a eles. Por outro lado, aposto que muitos dos “irados” na verdade estão apenas perplexos, que, uma vez passado o impacto inicial, podem começar a me dar razão em alguns pontos após investigar por conta própria, tentando contra-atacar. Conto com a colaboração inclusive deles para que a proposta de Falhas do Espiritismo se torne uma grande obra coletiva e fique maior que qualquer coisa já imaginada desde quando aqui comecei.
Enfim, quando as luzes se apagarem e o pano descer em meio a uma cacofonia de vaias, eu gostaria de poder ouvir ao fundo os lábios que verdadeiramente me entenderam:
“Bravo! Bravo!“
Assim, creio que metade ou mais de minha vida não terá sido vão. A torcida contra é grande, mas estou esperançoso porque, graças à nova abordagem tomada, não preciso vencer. Basta apenas existir e persistir, pois a intransigência dos fanáticos idólatras só fará o tempo jogar a meu favor.
Quatorze Anos depois
Sinto que falta algo, você também não? Não teria chegado até aqui se simplesmente minha motivação fosse externa, uma vontade de ver o Espiritismo mais dinâmico. Eu poderia simplesmente reconhecer que ele perdeu o bonde da história e seguir em frente. Não me é tão fácil. Sinceramente, acho que ainda sou assombrado pelas mensagens da segunda parte de O Céu e o Inferno ou das regiões umbralinas da literatura posterior. A distorção apropriação que o espiritismo fez da terceira Lei de Newton nunca me desceu pela goela. O destino dos suicidas – com direito a uma região trevosa especial para eles onde são tratados como os piores dos criminosos em vez de pessoas necessitadas de ajuda – é simplesmente horrorizante. Enfim, a solução para o Problema do Mal talvez seja o que mais me desagrade, no fundo.
Talvez eu não quisesse aceitar a solução espírita sem que alguém me desse garantias de não estar sendo enganado. Vendo o majestoso edifício kardecista ter tantas rachaduras, ficaria aliviado se o que não consigo averiguar – sua soteriologia – fosse comprometido pelos buracos do “Consenso Universal dos Espíritos”. Ironicamente, as propaladas pesquisas de Ian Stevenson não indicam a existência de um “karma retributivo” ou de um vale dos suicidas. Óbvio que ninguém mete o dedo nessas discrepâncias dentro do movimento enquanto enaltecem seus “casos sugestivos de reencarnação”.
Uma hora acordo desses pesadelos e inspeciono esses ecos do passado, só para constatar que, em meu íntimo, eu sou e sempre serei espírita. Por mais que tente renegá-lo, por mais que me esforce para que me chamem de detrator, essa é minha identidade. Não é possível arrancá-la de mim. Só me resta reelaborá-la.
Aconteça o que acontecer, sempre me lembrarei de onde vim. Com direito a um sorriso nostálgico.
Nesse meio tempo, procurei novos ambientes, fiz novos amigos e, com o passar dos anos, a presença do Espiritismo ficou um tanto tênue em meu cotidiano e só não desapareceu de vez pelos parentes espíritas que possuo, mas com os quais já não convivo tanto. Um mundo se abriu, de certa forma, pois conheci novas maneiras de vivenciar a fé; particularmente a busca pela transcendência, algo desconhecido em Centros Espíritas (pelo menos nos que adentrei) e que embasbaca até este descrente que vos fala. Também foi com eles que passei a compreender a mitologia cristã, que é fundamental para a compreensão da História do Ocidente. Jamais aprenderia isso com livros preocupados em (autodefensivamente) demolir esses mitos em vez de explicá-los a leigos.
E, ainda, sou muito grato a um segmento dos cristãos, pois partiram dele as mãos que se estenderam quando eu mais precisava. Se foi uma ajuda de interesse missionário, que seja. Os religiosos que conheci antes deles achavam ser de minha única responsabilidade me reerguer, ainda que estivesse com as pernas quebradas. Jamais esquecerei ambas as atitudes.
Conheci entre eles indivíduos sofridos, cada um a sua maneira. Muitos deles só não fizeram besteira pela fé que adotaram. Não me admira que, quando a viram ser vilipendiada, acusada de inculta e mentirosa; tenham ficado refratários a qualquer ideia vinda de grupos externos, ainda mais de um que lhes queira tomar o lugar como “verdadeiro cristianismo”. Embora o material deste portal não lhes sirva completamente, sou de pleno acordo que utilizem a parte que lhe adequar em sua própria defesa apologética, afinal eles terão sido as vítimas.
Minha ajuda talvez nem seja tão mais necessária assim. Eles estão alcançando seus irmãos norte-americanos e já desenvolveram seu próprio núcleo de elite, sendo capazes de se defender intelectualmente em grande parte sozinhos. A arraia miúda é que ainda apanha em discussões virtuais, o que dá aos apologistas da ortodoxia espírita uma falsa sensação de força. Às vezes, pergunto-me se possuo um prazer sádico em destronar presunçosos. Talvez eu e Kevin tenhamos mais em comum do que imaginemos, incluindo nosso jeito de extravasar o excesso de testosterona. A questão é como sublimar isso?
Por outro lado, também sei que vítimas e algozes têm o estranho hábito de trocar constantemente de posições. É tudo uma questão de quem tem a oportunidade de estar com o poder. Nessa hora, meu passado me chamará e hei de enfrentar meus novos companheiros. Essa briga já dura mais de 150 anos e acho que as atuais gerações sequer lembram quem começou o quê.
Nesse ínterim, casei com uma mulher não espírita e isso me fez bem, entre outras coisas, ao me afastar um pouco de discussões familiares. A religiosidade dela não me incomoda, enquanto mantenho um respeitoso agnosticismo “não praticante”. Se eu me relacionaria com uma espírita … bem, estaria mentindo se dissesse que não rolaram alguns flertes em meus tempo de mocidade. Por sorte saí antes que algum ficasse sério demais. Minhas divergências com o movimento seriam uma pedrinha no sapato a corroer lentamente qualquer possível relacionamento afetivo. Reconheço que minha calmaria atual pode ser ilusória. Como um lago plácido, porém cheio de lodo no fundo, basta uma pedra bem arremessada para fazer toda a sujeira aflorar à superfície. Sabe, parte de mim quer “chutar o balde”, assumir meu nome verdadeiro e encarar as consequências, dentre elas a rejeição definitiva e (talvez) recíproca de metade de minha família. A outra quer “deixar quieto”, sublimar e apaziguar.
Difícil. Em mais de uma década fiz churrasco das “vacas sagradas” do Espiritismo. A maioria dos espíritas – os seguros de sua fé – simplesmente tocará sua vida sem me importunar. Já os ressentidos não irão perdoar. Para esses, deixar-me impune será um crime maior que o de se suicidar. Bem, se é para enxergar um lado bom, então de alguma forma para eles sou importante, antes o ódio que a indiferença.
Agora, a você, Fred, ou a qualquer um que tenha aguentado até aqui ouvindo meus lamentos, é chegada a hora de nos despedirmos.
Sei que é um tanto abrupto, mas espero que compreenda que estou sendo chamado com certa urgência.
Afinal, o ciclo da vida está para completar mais uma volta. Tenho fé (fé cega, mesmo) nesta nova geração. Que eles sejam os próximos trabalhadores da última hora e saibamos lhes ceder o lugar.
Réquiem
A distância traz a saudade, nunca o esquecimento.
Se você ainda existir de alguma forma, fique tranquilo…
…, pois Cyrix está em casa!
Adeus, professor!
[topo]
Oi, Cyrix
Satisfação em revê-lo e obrigado pela lembrança!
Foi bom lembrar dos “Flame wars”, ao menos em parte. (Eu não sou um neonazista como me acusaram no RV).
Sigo melhor de saúde depois de quebrar uns “protocolos” da “medicina oficial”. A causa foi aquela mesma.
Importantes suas dicas ao “Jaime” no “Prezado Hater” (eu não fiz a cabeça dele). Que sejam extensivas aos demais espíritas, a começar pelo Severino e pelo Chaves. Mas receio que não darão ouvidos… talvez ainda prefiram os aplausos e os elogios dos que ainda estão na “caixa maior” e não conseguem questioná-los neste nível.
Abraços,
“Kevin”
Prezado Carlos,
Sugiro para vc o livro Estudando o Invisível, de Juliana Ferreira. Embora o grosso do livro seja sobre as pesquisas de William Crookes (ou seja, águas passadas), no final ele tem um apêndice bom sobre filosofia da ciência e o status atual das ciências que cuidam do “paranormal”. Pode entrar em contato, também, com o Vítor Moura do Obras Psicografadas, que entende mais desse assunto.
Cyrix….como sou principiante no assunto e vejo que você é um grande conhecedor do espiritismo, te pergunto: Existe alguma pesquisa que prove a mediunidade dentro de todos os parâmetros da ciência tradicional? os céticos dizem que não. E qual a sua opinião? Por favor me responda….abraço….Carlos
Sei lá, Cyrix bem inteligente. Mas o que voce faz na NASA, lê sobre Espiritismo? Pois para quem deixa fontes de pesquisas e leituras, leva bom tempo sem ser dedicado ao trabalho.
Sei lá, sou leigo, mas no trabalho dedico meu tempo ao trabalho.
Prezado Cyrix,
Gosto muito de frequentar teu blog, nem tanto por causa dos textos sobre espiritismo (tive apenas uma breve curiosidade adolescente por esta religião), mas sim pelos excelentes subsídios sobre cristianismo primitivo / Jesus histórico. É quase uma simbiose: você procede a sua catarse e, por efeito colateral, nós aprendemos…
Imagino que pouca coisa escape do seu cabedal, mas caso ainda não tenha tido contato, gostaria de compartilhar uma feliz descoberta recente: a obra de Ken Wilber e seu Modelo Integral (“Boomerite”, “Uma Breve História de Tudo” e “Uma Teoria de Tudo” são excelentes introduções).
Prezado Rafael, minhas opiniões sobre Ian Stevenson foram resumidas aqui. Clique para ler.
Prezado autor,
Você conhece em detalhes o trabalho do Dr. Stevenson? https://en.m.wikipedia.org/wiki/Ian_Stevenson
Do que pensa tratar-se: fraude, erro metodológico (qual?) ou de fato prova da reencarnação?
Adicionalmente, gostaria de apontar – lhe estudo recente sobre mediunidade: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0049360
De que modo pensa o prezado amigo poder – se explicar, no escopo da neurociencia, os peculiares efeitos de aumento na complexidade textual com simultânea redução de atividades nas áreas cerebrais criativas?
Grato pela atenção,
Rafael
Muito tocante tua história, e conhecê-la só me faz ter ainda mais respeito por você.
Eu creio muito na importância de se viver uma vida equilibrada em todos os aspectos – religioso, social, político, econômico, etc. – Por isso, eu levo a sério a doutrina espírita, mas me permito o direito de ouvir e compreender tudo que acontece ao meu redor, sem julgamentos – ou com o mínimo de julgamento que me for possível – e sem me sentir dono de nenhuma verdade, mas um caminhante a procura de pelo menos uma verdade.
Poderia enviar-me esse material ” Falhas do Espiritismo” para meu e-mail : celo@asia.com
Acho que compreendo. Muitos de nós se tornam tão racionais que não há espaço para crer sem experimentar.
Vou me alongar um pouco em minha história, mas é algo que se faz necessário para as conexões que pretendo fazer.
Sou descendente de uma família sem religião. Meus avós e meus pais nunca foram a nenhum templo, nunca nos obrigaram a ir em busca de religião alguma. Eu, por minha vez, sempre trouxe, intimamente, a ideia da existência de uma força superior que sustenta todas as coisas, e acredito que, de certa forma, meus familiares viviam este mesmo sentimento, porém sem expressá-lo.
Por volta dos doze anos resolvi me tornar o questionador, fiz as perguntas que muitos seres se fazem – quem sou, de onde vim, para onde vou. Este questionamento me levou a colocar os pés em uma igreja evangélica pela primeira vez. As poucas respostas que encontrei não me convenceram.
Estendeu-se, a partir daí, uma grande jornada; foram várias denominações religiosas de insucesso, partindo em seguida para o misticismo, depois as religiões e doutrinas orientais e, por fim, me debrucei sobre os livros de filosofia. Sempre a teoria, nunca a experiência. Tudo isso me levou ao ceticismo.
Apesar da minha necessidade de provas, havia dentro de mim a ideia latente de que em algum lugar deveria existir uma explicação, um caminho, algo além deste mundo. Nestes tempos cruzou o meu caminho um senhor, que entre uma conversa e outra me perguntou se eu acreditava na reencarnação. A resposta foi de que, o tema não me era de todo desconhecido, pois algumas das doutrinas orientais que estudei havia o conceito da reencarnação. Ele então me indicou a leitura de “Le Livre des Esprits”.
Comprei, li e me apaixonei, pois aqueles conceitos pareciam estar gravados em mim havia muito tempo. Tudo parecia fazer sentido. Li as obras básicas da doutrina espirita, li os romances, e, tudo parecia ir de encontro com o que eu buscava.
Mas um questionador nunca para, e então me perguntei – está tudo tão bonito, tão perfeito, mas até onde há verdade em tudo isso? Ou seja, lá estava eu, cheio de teorias e nenhuma experiência.
Iniciei uma busca por experiências espirituais. As primeiras delas foram baseadas no curso de gnose que fiz na adolescência, o qual buscava o desdobramento astral e os sonhos lúcidos. Se o mundo espiritual existia, a gnose não estava tão distante com suas verdades.
Durante o curso de gnose eu consegui uns sonhos sobre os quais eu parecia ter certo controle, consegui ainda fazer um breve desdobramento astral. Naquele tempo, este tipo de experiência me deixou assustado, o que me impediram de realizá-las satisfatoriamente. Hoje, por mais que eu tente, não consigo a mais remota chance de reproduzi-las.
Trinta anos após o inicio de minha busca por respostas, é como se eu tivesse me movido poucos centímetros. Porém, das coisas que aprendi com as disciplinas orientais, uma delas foi o equilíbrio. Procuro aplicar este equilíbrio em todas as coisas de minha vida, inclusive na fé. Pois não me permito uma entrega a fé irracional, assim como não me permito a entrega a razão irredutível. Há uma intuição falando no meu íntimo sobre este mundo espiritual, e eu não luto para combate-la.
A verdade é algo que só constataremos no pós tumulo. Não a minha verdade como espírita, mas a verdade de todos nós – dos evangélicos, dos católicos, dos céticos, dos ateus, etc. – Pode ser que um de nós tenha razão, ou que todos estejamos errados. Eu gosto de dar um voto de confiança para a minha fé equilibrada.
Quanto a você, como encara a questão da fé e da vida?
Muito interessante. Por isso que sua oposição me chamou a atenção. Eu costumo dizer que nós temos o direito de falar, discutir e criticar o que bem entendermos, mas antes de tudo, precisamos conhecer e compreender sobre o que estamos debatendo, e logo percebi que você conhece muito da doutrina.
Permita-me arriscar um palpite: acredito que, assim como a maioria dos adeptos da doutrina espirita, você estudou muito, conheceu muito, porém, nunca sentiu ou vivenciou alguma experiência espiritual que o levasse a comprovar todas estas teorias. E esta consequente falta de experiência o levaram ao ceticismo. Espero que eu não tenha errado de muito longe.
Arrisco este palpite baseado em minha própria vivência, pois tenho estudado o máximo que posso sobre a doutrina, porém sem uma experiência capaz de garantir minimamente a veracidade de tudo que creio.
O mais próximo que cheguei de alguma destas experiências foi quando ainda jovem, fiz um curso de gnose, e um dos módulos do curso consistia no aprendizado e prática do desdobramento astral. Obtive pequenos êxitos em matéria de desdobramento, que porém, apesar de parecerem lúcidos, não foram suficientes para me fazer crer que eram reais. Mas confesso que em parte fui bem culpado pela falha da experiência, pois eu sentia muito medo daquele mundo desconhecido. Já, na doutrina espírita, como eu já comentei antes, o que me move é somente a fé, não a experiência.
Por favor, continue nos brindando com sua história de vida, pois me parece muito interessante. Acho que suas experiências ainda têm muito a nos acrescentar.
A vontade Cyrix.
Agradecido pela consideração e reafirmo que minha admiração é verdadeira.
A busca pela verdade deveria ser uma das metas de cada homem, mas não a verdade conveniente a suas crenças. O clero católico criou verdades convenientes a seus objetivos, assim como as outras religiões o fazem. Na Doutrina Espirita não é diferente, há irmãos preocupados com a verdade incondicional, mas há irmãos que as distorcem e as ajustam ao que desejam acreditar.
Muitas destas pessoas não o fazem por maldade, mas pela ânsia de comprovar sua crença. Eu mesmo caí nesta armadilha, e, por ingenuidade, acabei criando as verdades que eu desejava ver. Mas quem tem o hábito de se questionar, não costuma ficar parado, e em um determinado momento acaba por perceber seus enganos.
Minha fé na Doutrina Espirita não está abalada, continua com a mesma firmeza que sempre tive. Entretanto, meu ponto de vista em relação a ela está mais maduro, sob uma nova ótica, com informações que me fizeram ver coisas que eu não via, e me clarearam outras que eu já via.
Tenho encontrado muitos opositores da doutrina, mas todos com bases frágeis, oposição nunca feita através estudos sérios, na maioria das vezes, baseadas somente nas escrituras bíblicas, acompanhados de fantasias mirabolantes que tentam justificá-las.
Por isso meu respeito pelo seu trabalho, pois busca fontes fortes e justificativas reais que nos levam a verdadeiras reflexões.
Estou ansioso pelo momento “reconstruir”.